Yves Bonnefoy nasceu em Tours, na França, no dia 24 de junho de 1923. Um dos mais importantes poetas franceses da segunda metade do Século XX, é inicialmente ligado ao surrealismo, mas desliga-se do movimento para aderir o existencialismo de Jean Wahl, de quem foi aluno. Autor prolífero, publicou diversos livros entre poesia e ensaios sobre arte e literatura. Também traduziu peças de William Shakespeare e poemas de William Butler Yeats, John Donne e Giacomo Leopard.
Crítico do “imaginário gratuito” do surrealismo, Bonnefoy tem uma obra marcada pelas inquietações das origens da vida e os significados da morte, buscando perspectivas poéticas para representar suas impressões. Suas principais influências são Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud, Stéphane Mallarmé e Gérard de Nerval. Yves Bonnefoy morreu em 1º de julho de 2016, aos 93 anos, em Paris.
JUSTIÇA
Mas tu, mas o deserto! estende e desce
As toalhas tenebrosas.
Insinua em meu peito para que não cesse
O teu silêncio como causa fabulosa.
Vem. Aqui se interrompe um pensamento
Aqui um lindo país já não tem trilha.
Bordeja essa alva glacial no firmamento
Que te atribui um sol adverso por partilha.
E canta. É duas vezes chorar isso que choras
Se tu ousas cantar por grandes mágoas.
Sorri e canta. Ele carece agora
Que fiques luz sombria, do que foi, nas águas.
Eu tomarei nas mãos a tua face morta. Vou recliná-la
no seu frio. Farei com minhas mãos em teu imóvel
corpo a toalete inútil dos mortos.
ARTE DA POESIA
Dragado foi o olhar fora daquela noite.
As mãos secadas e imobilizadas.
Reconciliou-se a febre. Disse-se ao coração
Que fosse o coração. Há um demônio nessas veias
Que fugiu a gritar.
Há na boca uma voz tíbia e sangrenta
Que foi lavada e outra vez chamada.
O PAÍS DESCOBERTO
A estrela no limiar. O vento, preso
Em mão imóveis.
Foram de longa luta a palavra e o vento.
E súbito depois o silêncio do vento.
O país descoberto era só pedra cinza
Longe, abaixo jazia o clarão de um rio nulo.
Mas as chuvas da noite na terra surpresa
Acordaram o ardor a que tu chamas tempo.
VERDADE
Assim até a morte, úmidas faces, gestos,
Do coração canhestros no corpo encontrarão,
E em cima dele morres, verdade absoluta,
Em tuas mãos já fracas corpo abandonado.
Esse cheiro de sangue, o bem que tu buscavas,
Bem frugal radiante por sobre um viveiro
Vai dar a volta ao sol, sua viva agonia
Luzirá onde tudo se mostrou primeiro.
PEDRA ESCRITA
Prestígio, assim dizias, da nossa lâmpada e folhagens,
Que hospedam nossas noites.
Arrastam até nós as barcas sobre as lajes,
Elas conhecem nossos desejos do eterno.
Plena a noite no céu a gritar o seu fogo,
Elas vieram, passo sem sombra, despertam-nos,
Sua palavra começa a tremer nossas vozes.
Passo dos astros a medir o chão de lajes desta noite,
E eles mesclando a tanto fogo a escuridão própria do homem.
A ENFERMIDADE DO FOGO
Pegou o fogo, é esse o destino dos galhos,
Vai lhes tocar o íntimo de pedra e fogo,
Ele que vinha ao porto de tudo que nasce,
Nas praias da matéria ele terá repouso.
Queimará. Mas tu sabes, puro prejuízo,
O espaço de um chão nu no solo surgirá,
A estrela de um chão negro ao fogo se abrirá,
O astro da morte há de aclarar nossos caminhos.
Ficará velho. O vau onde se amoitam sombras
Uma hora só terá faiscado, sob seus passos.
Também a Ideia passa a matéria que usa
E renuncia a esse tempo que não salva.
*Poemas do livro “Obra Poético – Volume I”, Iluminuras, 2021.
Tradução Mário Laranjeira.