Por onde começar? Pelo começo
absoluto, pelo rio Oceano,
já que ele é, segundo o poeta cego
em cujo canto a terra e o céu escampo
e o que é e será e não é mais
e longe e perto se abrem para mim,
pai das coisas divinas e mortais,
seu líquido princípio, fluxo e fim:
pois ele corre em torno deste mundo
e de todas as coisas que emergiram
das águas em que, após breves percursos,
mergulharão de novo um belo dia;
e flui nos próprios núcleos e nos lados
ocultos dessas coisas, nos quais faz
redemunhos por cujos centros cavos
tudo o que existe escoa sem cessar
de volta àquelas águas de onde surge:
não me refiro à água elementar
que delas mana e nelas se confunde
com os elementos terra, fogo e ar
mas a águas que nunca são as mesmas:
outras e outras, sem identidade
além do fluxo, nelas só lampeja
a própria mutação, sem mais mutante:
um nada de onde tudo vem a ser,
escuridão de onde provém a luz,
tal Oceano é a mudança pura.
Mas eis que a poesia nos conduz,
feito um repuxo e a seu bel-prazer,
de volta do princípio às criaturas.