Ainda há focos de incêndio no pavilhão
E a laje ameaça desabar.
Um cruzado mané-ninguém surta em majestade
Rompe o encouraçado cordão de isolamento
Escala a pilha de escombros
Alça os braços aos sete céus e clama:
—Assim me falou o Rei Invisível:
“Sois a alma do universo”.
Convoca falanges, coortes de legionários desembestados,
Uma gentinha que aplica lances e golpes e vive de expedientes,
Famílias famélicas
E sua prole prolífica
Gatinham no garimpo do galpão em chamas.
O homem do riquixá garante seu espólio:
Comidas, freezers, aparelhos de ar condicionado,
Blusões e ténis enfarruscados.
Dois homens colocam outro freezer numa carroça
E saem em disparada no foco da fotografia.
Três mulheres de Tatuapé carregam sabonetes sem marcas,
Mesas e cadeiras de ferro.
Um Raimundo empurra um carrinho de pedreiro lotado de britas,
Pedaços de concreto, sacos de arroz, de feijão
“Nunca comi esse tal de atum, agora vou experimentar”—
Testemunha a desempregada de nascença Josete Joselice, 56,
Mostrando para a câmara da TV uma latinha chamuscada.
Lá nas alturas do monte,
Uma moça banguela ergue no pódio seu troféu de pacotes de
mozarelas.

Como os valentes, finca teu estandarte
No meio do deserto.