Dimitris Lyacos nasceu em Atenas, Grécia, a 19 de outubro de 1966. Poeta e dramaturgo, é considerado um dos mais fortes escritores do país ao Prêmio Nobel de Literatura. É o autor da trilogia “Poena Damni”, reconhecida como uma das principais obras do pós-modernismo. Seu estilo, entre a sublimação e a distopia, desafia gêneros da tradição literária com as inovações vanguardistas, para abordar temas sobre a vida, a morte, a redenção, o sofrimento físico e a doença mental, utilizando elementos das crenças religiosas e místicas e os conhecimentos filosóficos e antropológicos.
II
Sentença do mar, correntes feitas de cacos de soluços
sob as pestanas rasgadas de uma ânfora seca
presa invisível –
profanados túmulos de paixões, procissões nos decrépitos
sentidos, melodias desmanchadas, lava
de rios decapitados
lâminas das ondas cortando fundo a cortina:
uma clepsidra se forma, epidemia
visão integral de heróis dobrados sob
as bêbadas veias da luz
tempestade hibernando nas úlceras –
largando as suas folhas, o regresso
de um corpo esquartejado na primavera
III
Mandíbulas mortas prendendo torrentes
dentes partidos cujas raízes o tremor da vítima
desenterrou antes de se prostrar perante o gancho
ao redor só bocas lambendo na terra
cabeças vazias à procura de alguma gota de carne –
começaram. Estendeu-se a rede
desceu o céu.
Regimentos de mortos murmuram sem cessar
num cemitério sem fim, dentro de ti,
e você já não consegue falar, sufoca
e a dor familiar tateia saídas
no corpo inabordável
você já não consegue caminhar –
rasteja até onde é mais densa a treva
mais terna, carcaça
de animal estripado
abraça um pequeno monte de ossos acamados
e adormece.
X
Porque não te é dado ficar mais tempo
porque o olhar deixa os ídolos se debaterem
até que o lago fique em gelo e a sua mão pare
de remexer as tripas e o borralho
procurando um machado inútil
mesmo que o mar arranhe a crosta do ferimento –
soltura.
Porque você procura a montanha e os pregos sob as estrelas
inclinando negras cruzes para o triunfo
e novamente se arrasta e
trepa pelas feridas do terreno
cuspindo enxofre que te cauteriza os membros,
ofegando como outrora em cima de uma prostituta
rasgando lascivos bancos de areia
e o crocito das aves segue
o miasma – obcecado na montanha.
E os ferrões úmidos dos escorpiões
apontam o caminho
e a mente um mapa embebido em vinho
e a alma amordaçada
amamentando
adiante o horizonte dar dor.
VII
Na ensanguentada enxárcia do cérebro
estão as ansas internas e o terremoto
espumeja uma larva insaciável nos estuários
do crânio
e outros vermes bramindo
no sopé da sepultura cepo
onde soltam voo pássaros de asas translúcidas
olhos ardendo visão em mosaico
desparafusados tórax gritando
e a alegria guerreira do sol sobre o esgoto
vermelho – faca sacrificial sem bico
coroando uma paralisada fúria pelo divino,
luminosos filamentos cortados
lábios sobre lábios
densa dança denso
não até o osso
fazendo estremecer
a enxárcia ensanguentada do cérebro.
*Poemas do livro “POEMA DAMNI”, Relicário Edições, 2023.
Tradução de José Luís Costa