Jorge Ferreira nasceu em Cruzília, Região Sul de Minas Gerais, em 1959. Poeta, sociólogo e empresário, foi um importante sindicalista no período de luta contra a ditadura Militar. Na década de 1990, ele ajudou a criar a Associação de Sociólogos do Brasil, além de fundar o Mercado Municipal de Brasília. Muito querido por grandes artistas e intelectuais, era conhecido como o “fazedor de amigos” e o “bom companheiro”, mantendo grandes relações afetivas com o compositor Fernando Brant e o cartunista Ziraldo. Faleceu no dia 07 de julho de 2013, aos 54 anos, no Rio de Janeiro.

TEMPO PERDIDO

Quando olho
Para trás
Rio adentro
Quando olho
Para dentro
Vejo los niños

A VIDA ATÉ A ÚLTIMA GOTA

Da minha vida, digo eu
Pra começar:
Não tenho temor à morte,
Doloroso é perder a vida
E os gozos que ela me dá.

Me vejo menino as suas façanhas.
Um cheiro impregnado no ar
Bicho, gente grande sem maquiagem.
Coleirinha, canarinhos, pintassilgo,
Meu pai, minha mãe e tio Marinho.

Quando jovem tomei para mim
O destino humano.
Com meu pendor libertário
Quis salvar o mundo,
Ainda que ele não quisesse.

Virei um homem de causas,
De ensinança.
Furando o couro da realidade.
Tudo que diz respeito ao humano
Vida, criação, natureza,
Ausência do meu irmão,
Povo brasileiro.
Fez parte de minha ação.

Com o tempo, feito cobra
Adquiri outras peles.
Em cada uma delas
Me exerci sempre,
Igual a mim.

Não me arrependo.
Se me fosse dado
Outra vida a viver
Faria o mesmo retrilhar.

Voltaria com vagareza,
A passos contados.
Esporeando o tempo
Mão por mão,
Humanizar-me-ia ainda mais.

Sempre tive meus olhos,
E sentimentos
Para o profundo.
Mirei mais para o oceano
Que para a ilha.
Afinal, não vivemos
Para servir?

AINDA NÃO SEI

Minas é palavra subterrânea.
Uma tela interior.
Pode ser de ouro,
De barro
Ou de Bracher.

Pode ser também,
Um resto de tristeza
Um chorar para dentro.
Ou túnel percorrendo
Estradas estranhas.

Sei não, moço,
Qual é a minha Minas
Do veneno, do padecimento ou
Do amor.

Fui ceifando conhecimento.
Fui fazendo trecho do meu ser,
Nada foi com precisão.

Conheci a moça da rodoviária,
O homem de sete braços.
Dei o beijo do amor
Naquela noite do bar.

Sei não, moço,
Qual é a minha Minas.
A da manhã seguinte,
Ou da paisagem de rugas e lágrimas.

Plantei sonhos, semeei estrelas,
Sob a galocha do meu pai,
Vivi um tempo manso e tranquilo.

Esse bicho tangido para o exílio
Também foi bicho
Pregou a revolução.
Na varanda, tirou horas de prazer
Tomou gosto pelas auroras.

Vou buscando dentro de mim
O meu entretom,
Meus anjos caídos,
Brancas borboleta, cheiros e sabores.
Vou porque preciso.
Sei que todo retorno é uma partida.

Assim moço, atravesso essa paisagem…

ALGUMA RAZÃO

Sempre haverá uma razão
Para a loucura
Para o amor de ontem
Para o perdão
Para o tiro no peito do cidadão.

Sempre o texto tem um começo
A bola busca a rede ou o cesto
A música o ritmo
A tua estrela brilha
Com um fulgor intenso.

Tudo corre à medida
Dos teus desejos
Dos teus feitos
Até o tiro do cidadão
Volta pro seu peito.

*Poemas do livro “Rio Adentro”, Geração Editorial, 2011.