Alberto Bresciani nasceu no Rio de Janeiro (RJ). Vive em Brasília. É autor de Incompleto movimento (José Olympio Editora, 2011), Sem passagem para Barcelona (José Olympio Editora, 2015, finalista do prêmio APCA de Literatura – Poesia de 2015), Fundamentos de ventilação e apneia (Editora Patuá, 2019) e Hidroavião (Editora Patuá, 2020). Integra, entre outras, as antologias Outras ruminações (Dobra Editorial, 2014), Hiperconexões (Editora Patuá, 2014), Pássaro liberto (Scortecci Editora, 2015), Pessoa – Littérature brésilienne contemporaine (Revista Pessoa, édition spéciale – Salon du Livre de Paris, 2015) e Escriptonita (Editora Patuá, 2016). Tem poemas publicados em portais, blogs e sítios da internet e em revistas e jornais impressos.

ECLOSÃO

Perdíamos o ar, para ganhar mais, logo depois,
e saíamos rápido, procurando lugares claros,
onde a cidade oferecesse melhores condições
atmosféricas, para esquecimento e respiração
E seguíamos pensando em uma hora,
duas, quase afogados, sem perceber riscos,
bichos fugidos, animais selvagens, as palavras
presas na garganta, os corpos iscas dos corpos,
como se o melhor dos segredos estivesse
por ser revelado, uma espécie de início,
cio, jogo, a escolha do dia para nascer, lá,
afinal, a eclosão, o resto das nossas vidas.

PEIXE-VOADOR

Um corpo arrastado pelo rio,
aberto à correnteza, parece vivo,
esbarrando nas pedras, na trama
de raízes das margens, sente,
vivo, como se tivesse guelras

Toca o fundo, corta os pés, o sexo,
os joelhos, os lábios, aceita o fim
e ouve o chamado para voltar
: “entre, está na hora, já vêm te buscar”
Vê outra vez livros jogados no chão,
descrença, os brinquedos quebrados,
o preto e o branco, a cruz flutuante

Então sobe, engole ar, arranca ar,
aceita armas, palavras de gente
distante, curativos no que se foi
Sobe, sai da água, tem asas,
peixe-voador, tem forma, a chave,
uma porta, agora pernas, ouve
são os verdes deuses da água,
sente a porta, pode e vai abrir.

ILUSÕES

Não se esquecem histórias
de ninfas, deuses, árvores
antigas, coelhos e lobos
ou escombros, hecatombes
e maremotos sobre Lisboa
A cada um desses signos,
a placa diz para a claque
rir ou chorar, mas, no escuro,
ninguém vê o caos
roendo com cara de gozo
o mais íntimo do fígado
E a claque ri e chora

Depois, cada um engole
seu estigma e apaga de vez
o teatro de sombras.

PÂNICO

O pássaro sobre o galho,
hipnotizado pelo gato,
pela serpente, preso
como se houvesse visgo
sobre o ramo comum
Uma ave sem voo,
pronta ao voo,
os olhos esbugalhados
de medo de ofídio, do felino
que nunca existiram.

MEMÓRIA

Antes que fibrilações
e rugidos destruíssem
muralhas, o último vinil
Antes do afogamento
das arraias em pleno mar
Antes que o corpo secasse,
éramos livres e invisíveis,
a carne desarmada,
como arquipélagos sem depois.

*Poemas do livro “Fundamentos de Ventilação e Apneia”, Editora Patuá, 2019.