Salomão Sousa nasceu no dia 19 de setembro de 1952, em Silvânia, Goiás. Radicado em Brasília, participou, na década de 70, do movimento Poesia Marginal. É um dos 47 poetas incluídos no número que a revista portuguesa “Anto” dedicou à literatura brasileira em comemoração aos 500 anos da descoberta do Brasil, em 1998. Está inserido na Antologia da nova poesia brasileira (1992), de Olga Savary e na A poesia goiana do século XX, de Assis Brasil.


a terra mentiu

Arremessaram-te perfurada
para que melhor tuas palavras
sejam de uma Rosa vermelha

Tinhas um jardim em tua cela
Comoveste-me com o choro dos homens
e das agredidas reses
Teu corpo segue sobre a superfície
de um rio de lama e gelo

Guardo para ti um quadril novo
O amante que não fortalece a guerra
As quatro folhas verdes
para que tua palavra avives

Depois da guerra e do sangue
e de superfícies
que não foram fáceis
respiraremos na próxima revolução

.                                                               a Rosa Luxemburgo

a limpar o asfalto

Fazer um movimento separatista
eu gostaria de me separar a minha chance
de minha desumanidade
do meu desamor
das acusações que passam
pelas janelas do dia
Aí eu sei de minha acolhida
em qualquer vagão/voaria
em qualquer espaço aéreo
dos instantes integrados de Norte a Sul

Fazer um movimento separatista
Separar-me de minhas segregação
do cancro de minha intolerância
da minha ganância fora dos contratos
de minhas gelosias do obscuro
Aí eu sei que por mim
e por outros das várzeas
e por outros dos varjões
tenho de dar meu trabalho
minha paz por um Peloponeso

a fome do monstro

Contornar a falésia não impede
de existir a parte vencida pela escuridão.
Acender o pavio no óleo da madeira
e próximo às quedas não há lâmpada.
De um povo, de uma janela.
Já ruiu a pedra em que resistia a margem.
O que segurava a aldravia deixou a enxergar.
O que viajava achou-se no desamor idêntico.

Inventar a definição, retornar à pressão
investida no torno, à fúria do veneno.
O pé na redoma de distinto diâmetro,
a palavra no insubstituível tomo,
o pódio em que insiste em coroar o ódio,
a onda a se desdobrar no fôlego.
A definição da criança que remove a pedra
e destrói o monumento de areia.

Fugir para os pontos cardeais
mais improváveis ainda nos deixa
na remota escravidão, nas brumas
a escavar escuras fortalezas no horizonte.
Fugir. E escava nas palavras,
nos homens de funda esperança,
na hierarquia, a lavra intérmina
da cheda partida, de crocitar do nervo,
da mão de gérmen perecível.

E não foi outra a onda e nem foi outro o vento.
E não foi sempre o dourado pomo.
E o equilíbrio não morava sempre na superfície.

tiveram de ser pensadas

Ainda que venha o tempo da secura
unha de pássaro/atrito de canto
de broto/faísca de luz
se esconde no caule
(responda tu que lês
com teu aprisionamento)

*Poemas do livro “Desmanche I”, 2018.