Christian Johann Heinrich Heine nasceu em Düsseldorf, na Alemanha, no dia 13 de dezembro de 1797 . Conhecido como “o último dos românticos”, é um dos mais importantes nomes do romantismo alemão do século XIX, sendo, inclusive, admirado por muitos poetas brasileiros, como Gonçalves Dias, Castro Alves, Machado de Assis, Alphonsus de Guimaraens e Manuel Bandeira.
Nascido em uma família judia assimilada, sob o nome de Harry, Heine viveu a maior parte da juventude na cidade de Hamburgo, com seu tio Salomon, um rico banqueiro, que financiou seus estudos. Decidiu converter-se do judaísmo para o cristianismo luterano, assumindo então o nome de Christian Johann Heinrich e nomeando-se a si próprio pelo nome de Heinrich Heine. A decisão foi tomada levando em considerando as várias proibições e restrições aos judeus na Alemanha e um possível acesso que teria ao mundo dos escritores românticos, em que a religião luterana e católica desempenhavam importante papel.
Como poeta, Heine fez a sua estreia com “Gedichte” (Poemas) em 1821. A paixão não correspondida por suas primas Amalie e Therese inspiraram-no mais tarde a escrever alguma da sua lírica mais notável. Em 1931, decide troca a Alemanha por Paris, acreditando que teria maior liberdade de expressão e maior compreensão de suas ideias por parte da sociedade francesa.
Na França, A obra de Heine sofreu grande influência política de partidos socialistas utópicos, seguidores do conde Saint-Simon, os “São Simonistas”, que pregavam um paraíso igualitário baseado na meritocracia. Seus escritos geraram desconforto nas autoridades alemãs, passando a ser visto como subversivo, tanto que seus livros foram banidos da Alemanha. Em 1935, o poeta liderou o movimento da “Jovem Alemanha” e, por causa disso, foi proibido de voltar a viver em sua terra natal.
Mas não foi só na Europa que a obra de Heine ganhou repercussão. No Brasil, por exemplo, a sua poesia inspirou vários grandes poetas dos Séculos XIX e XX. Um dos mais famosos poemas de Castro Alves, intitulado “O Navio Negreiro”, por exemplo, foi inspirado em seu Das Sklavenschiff, (“O Navio Negreiro” em alemão), de 1853/54, e que retrata a condição dos prisioneiros de um navio negreiro aportado no Rio de Janeiro.
Heinrich Heine faleceu em Paris, França, em 17 de fevereiro de 1856.
Doutrina
Faze soar o tambor, não temas, não.
Vai beijar tua amada lá na feira!
Do mundo, é esta a ciência inteira,
E as fundas razões que em livros estão.
Toca o tambor, acorda o quarteirão,
Com vigor juvenil, toca a alvorada,
Tocando, vai marchando pela estrada.
Nenhuma ciência há como esta, não.
Nesta doutrina de Hegel podes crer.
Dos livros eis o profundo sentido!
Bem o percebi porque sou sabido,
E tanto mais por tamboeiro ser.
Parvo é o mundo
Parvo é o mundo, cego também,
A cada dia sempre mais absurdo!
Sabe o que, amor, de ti por aí escuto?
Que nobre índole tu não tens.
Parvo é o mundo, cego também,
Nunca há de te render justo preito!
Não beija com o teu doce jeito,
que me abrasa e me faz sentir bem.
Esta missiva que me escreveste
Esta missiva que me escreveste
Não me faz desesperar da vida:
Se me deixar de amar resolveste,
Por que mandas carta tão comprida?
Doze laudas, letra fina e densa,
A um manuscrito mais se parece.
Por que esta desculpa tão extensa,
Se apenas dar adeus te apetece?
Uma jovem à beira-mar
Um jovem à beira-mar
De suspirar não mais parava.
O que tanto ali a arrebatava
Era ver o sol a baixar.
Por que, menina, se agitar
Com uma tão antiga cena?
De frente, ele um adeus te acena,
Dali detrás há de voltar.
Está um rapaz a jovem amando
Está um rapaz a jovem amando
Que a outro para amar encontrou.
Este outro já outra adorando,
Com esta é que em seguida se casou.
A jovem vai e casa, por despeito,
Sem ligar com quem ou qual,
A quem topa o primeiro sujeito:
E aquele rapaz – se dá mal.
Tão antigo quanto seja o caso esse,
Está sempre a se repetir.
Se a qualquer um justo agora ocorresse,
Lhe faria o coração partir.
O velho rei
Dizem que era uma vez um velho rei,
Encanecido e mui preocupado,
Que um dia – infeliz do velho rei –
Quis com uma jovem viver casado.
Um pagem na corte havia, belo, perfeito,
Louro era, dos que vivem a troçar.
De sua rainha, de seda feito,
Do manto a cauda lhe cabia levar.
Já ouviste aquela velha canção?
Aquela que é tão alegre quão triste!
Pois tiveram de morrer, sem perdão.
Já era amor demais, e este o fim: triste.
Deveras
Quando, à luz do sol, da primavera à beira,
As florzinhas se embotoam e florescem;
Quando da lua as raias seus cursos tecem,
Vão-lhe os astros flutuando na esteira;
Ao ver o bardo um meigo olhar, canções
Lhe irrompem do âmago aos borbotões –
Mas canções, estrelas, flores sequer,
Nem olhos, nem lua ou sol fecundo,
Por mais que a coisa nos dê prazer,
Longe estamos de fazer disso um mundo.
A flor de loto
A flor de loto tem receio
De o esplendor do sol encarar;
Inclinando a cabeça ao seio,
Aguarda assim a noite, a sonhar.
O luar é que é seu amante,
Que a desperta com o seu fulgor;
A ele se revela radiante
A devota face de uma flor.
Abre-se, incandesce e, brilhando,
Fixa, muda, os olhos no céu;
Olorosa, a chorar, tiritando,
De amor – e pelo que sofreu.
O Asra
Bela como nenhuma outra, dia-a-dia,
A filha do sultão ia passear
De um chafariz à vista, ao fim do dia,
A ouvir as claras águas chapiscar.
Também um jovem escravo, dia-a-dia,
Ia ver as claras águas chapiscar,
Do chafariz à vista, ao fim do dia,
As faces sempre mais a descorar.
A bela princesa, uma tarde dessas,
Dele se acercou, num curto falar:
“Teu nome, de tua tribo, as terras
Onde nasceste – tens de me confiar.”
“Maomé” lhe disse o escravo, “este
o meu nome, o Iêmen me viu nascer,
Filho da tribo dos Asra, daqueles
Que sempre, ao amarem, têm de morrer.”
Aforismas rimados
Não, nada dissemos
Não, nada dissemos; minha alma percebeu
O que, calada, no teu íntimo pensaste –
Falada, já o pudor a palavra perdeu,
Do amor, o silêncio é casta e florescente haste.
Quando inda de meus pesares me queixava
Quando inda de meus pesares me queixava,
Só vi bocejos, nada ouvi de vocês;
Mas quanto mais com versos os enfeitava,
Tanto mais alto elogio cada um me fez.
*Poemas do livro “Amor, Paixão e Ironia – Antologia poética do Romantismo Alemão”, Editora Civilização Brasileira, 1995. Tradução de Flávio Meurer.