Ana Marques Gastão nasceu em Lisboa, Portugal, em 1962. Poeta, crítica literária e ensaísta, coordena, desde 2009, a revista Colóquio-Letras da Fundação Calouste Gulbenkian. Licenciada em Direito pela Universidade Católica Portuguesa e advogada, foi jornalista cultural, durante mais de 20 anos, no Diário Popular e no Diário de Notícias. É membro do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias (CLEPUL) da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
*
O corpo,
osso abrasado,
meteoro
na minha cabeça.
Que é a vida
senão
um bramido
inútil?
Da tua história
expulsa o tumor.
Num lençol de sangue
alcançarás o repouso.
Feridas pelos vidros
para trás ficam as mãos
o riso e os suaves lírios
o espírito que me sai pela boca.
*
Nas tuas mãos
os segredos
a rosa
na sua durável
paciência.
Nesta segunda
vida-morta
sei-te a pré-história
de Deus.
Mataram-te,
mas não no meu poema.
*
Diz-me, ó Deus,
se só há mortos
em minha língua.
Se o medo
nasce
do silêncio
por dentro
dos sepulcros.
Se o gemido
vem da lucidez
e os destroços
sangram nos sorrisos.
A melancolia
vive no teu lugar.
Mãe, salva-me
de teus olhos mortos.
*
Se tudo parasse
e eu pudesse dar-te
a vida de novo.
Sem nós não há casa
e sem casa
nunca chegaremos
a saber o que fomos.
Nada é manso
e eu sou apenas
o teu princípio.
*
Perante a absoluta morte
só
o ínfimo dia.
*Poemas do livro “A definição da Noite”, Editora Escrituras.