Jon Olav Fosse nasceu a 29 de setembro de 1959, em Haugesund, Noruega. Poeta, escritor e dramaturgo, venceu o Prêmio Nobel de Literatura, em 2023. Comparado a Samuel Beckett, tendo um estilo minimalista e de linguagem simples, foi nomeado “cavaleiro da Ordre national du Mérite de França”, em 2007, e ordenado no número 83 na lista dos primeiros 100 gênios vivos pelo jornal inglês “The Daily Telegraph”. Ainda tocou guitarra no grupo Rocking Chair até a sua conversão católica. Recebeu o “Grotten”, uma residência honorária pertencente ao estado norueguês e localizada no Palácio Real de Oslo, mas vive mais em sua casa em Hainburg an der Donau, com a sua esposa e filhos.

A luz que não é uma luz

na luz que não é uma luz
mas parece uma luz
e que atravessa dias e noites
como um cão
farejando seu caminho
é ali onde estamos
e existimos

(na luz que pode escurecer
desaparecer
numa treva sem fim
que pode então retornar)

O homem velho

o homem velho
ergue uma caneca
afasta-a um pouco
fica parado e olhando para a caneca
então traz a caneca
para seu lugar de origem

então se vira
dá alguns passos
para
dá meia-volta
fica parado assim

o homem velho
vai se sentar numa cadeira
olha para a frente
fica sentado assim

e então se levanta
o homem velho
e vai até a mesa com a caneca
ergue a caneca
volta até a cadeira
senta
e leva a caneca à boca

Por três noites

minha alma esteve
no Brasil

o abajur do quarto
em que dormia
projetava seu facho vacilante
num rosto mais pálido
que o de um cadáver

nos seus olhos reluz uma lágrima
como uma estrela
desdenhando
do dia
que desponta do leste
numa velocidade estonteante
dourada

Apenas sabemos

a canção
a canção do mar
desliza pelas montanhas íngremes
e sobe aos céus

num planar azul
como um brilho
penetrando o lugar onde estamos juntos
e jamais dizemos algo

e apenas sabemos

Irrecuperável

eis aqui uma pessoa
que então se vai
num vento
que desaparece
para dentro
e esbarra nos movimentos da pedra
e se torna sentido
numa unidade sempre nova
do que é
e do que não é
num silêncio
em que o vento foi vento
em que o sentido foi sentido
em movimentos perdidos
de tudo que já foi
e ao mesmo tempo é
uma unidade
de uma origem
em que o som carregava o sentido
antes de a palavra se cindir
e desde então jamais nos abandonar

(barco no escuro)

estou num barco
e o escuro é o barco em que estou
O barco são movimentos calmos   Escuro
à noitinha     O mar é negro
e o barco são movimentos calmos   Ao longe
estão a praia e as casas     Ouço as ondas
arrebentando na praia
e sei que as casas são brancas
e estou num barco
e não se vê uma só pessoa
estou num barco e sou
um mar sem ondas
não sou pessoa
e faz silêncio
pois não sou mais uma pessoa
sou o silêncio a bordo
sou a escuridão a bordo
e tudo é azul e escuro
tão escuro e molhado

(onda)

vejo uma onda
e penso que tudo é movimento
e não quero saber o que significa
entre todos os significados
que se movem e significam
Pois aquilo que significa se move
Vejo que também compreendemos que no significado
há a calmaria de uma onda
Vejo uma onda dentro e entre nós
e penso em vento e mar e anjos e cães

(e então uma águia desliza pelo céu crepuscular
sobre o mar que escurece
e faz frio nas velhas casas faz frio
casas frias e velhas)

(de súbito)

pois quando já vimos
que não há outros lugares aonde ir
porque agora já vimos que não há outros lugares aonde ir
agora então é a hora de ir
agora só resta ir, sem ir
é quando podemos ir
e então, como deve ser, é preciso primeiro
vislumbrar aquilo que não existe
e então ir a lugares que não existem
lugares que mesmo assim existem e se parecem com o amor
e quando nos acercamos um do outro
nesse instante sempre o outro se transforma
e isso se parece, tão subitamente, com nosso amor
que não existe
(mas que então, de súbito, existe mesmo assim)

*Poemas do livro “Poemas em Coletânea”, Círculo de Poemas, 2024.