José Luis Giménez-Frontín nasceu 27 de novembro de 1943,  em Barcelona, Espanha. Poeta, narrador, crítico e escritor, produziu diversas obras entre poesia, memórias e ensaios. Venceu por duas vezes o Prêmio Cidade de Barcelona de Literatura em língua castelhana, e o Prêmio Esquío de Poesia, em 2006. Também foi fundador da Associação Colegial de Escritores de Catalunha (ACEC) e diretor da Fundação Caixa Catalunha. Faleceu no 21 de dezembro de 2008, em Barcelona.

OS CACHORROS DE LAUTREAMONT

Que loucura de cachorros bondosos
sob a lua nas montanhas e céus pastéis.
Sombras dançam, poderes enlouquecem,
e o homem, cruel desde o berço
– desde berço embalado golpe a golpe –
conta as carícias de trapaceiro
ao beato abençoado que na bondade crê.

Crê o imbecil e com bastão golpeia
ao lascivo cachorro que lhe nega
porque sabe o engano e tem dentes
quiçá sangrando de desejos.
Tradução da casca o amoroso descreve.
No há engano no fim. Se com amor, acredite nele,
e se não com amor, acredite nele desnudado:

“Tanta bondade apenas é humana.
Tanta bondade com crueldade observa.
Tanta bondade não ama. Petrifica.”

ESSA MANSA LOUCURA

Tudo está em calma agora, e sigilosamente
ardem os ares numa profusão púrpura,
se incendeiam os vitrais do oriente
e o farol pisca cada vez mais ousado.

Sob uma malha de voos quebrados
o tempo se detém e acaricia
o pátio e seus segredos em silêncio:
os muros em ruínas, os quadros negros,
entranhas da terra entre meus dedos,
uma amendoeira cansada e a água que se agarra
ao gerânio, suas gemas e cores,
calor de pão nos terraços negros,
e nos gatos ariscos mansidão.

Essa mansa loucura que tudo o penetra
e extravia olhares e solidárias risadas.
Porque eu já sou outro. Como o mar é estranho
sobre a mesma costa, contra o povo diverso
e imóvel nas rochas. Como a luz é outra
pouco a pouco, e a mesma. E é o dia. E a noite.

AQUELA HORA

Ai de quem em suas costas não carregue o que teria sido
seus erros, seu medo,
e converse com eles como com uma amante!
Ai de quem não recorde a parte de sua vida
que escapou de suas mãos, como escapam os filhos
das entranhas
e antes das entranhas da carne e a sangre!

Pontual e amorosa, quiçá desde sua infância,
sairá a seu encontro a hora em que sonhou
ser feliz e valente. E não o encontrará.
Em vão tentará reviver seus fantasmas
ou afirmar que está em paz em seu belo retiro
junto ao mar luminoso ou em um distante vale.
Pois apenas aquela hora pode dar um sentido
ao desperdício de sua vida, e oferece-lhe,
ainda no caso do último minuto,
o mais parecido com uma segunda oportunidade.

A OFERTA

– Diga-me, estrangeiro, esta cidade doída
a tomas por esposa?

– Que mais quisera eu que não fosse já minha,
toda impressão negada em minha memória.

– Homem orgulhoso, louco, diga, quem és?
Às vezes sou Caim; teu irmão, sempre.

FALA EPICURO

Uma manhã, alguém se surpreende
com a vida madura entre as mãos.
Foi enterrado sua infância nesse dia.
A adolescência segue, e resiste,
e pensa no morrer e vai morrendo
até a noite em que alguém se desvela,
sobrecarregando seu leito de lembranças.
Perde a juventude neste encontro.
Mas a maturidade – oh doação tardia! –
já não nos abandona, ainda que queiramos
para velhice abrir-lhe nossas portas.
Que é mais veloz a morte do que a vida,
disse Epicuro, ancião, a seus discípulos.

*Poemas do livro “A Rota de Occitânia – Poesia Reunida (1972 – 2006)”, Edições Igitur (Espanha), 2006.
Tradução de Igor Calazans para o RecantodoPoeta.com