Mônica de Aquino nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1979. Publicou Sístole em 2005 pela editora Bem-Te-vi e Fundo falso em 2018 pela Relicário Edições, livro vencedor do Prêmio Cidade de Belo Horizonte de 2013 e semifinalista do Prêmio Jabuti 2019. Publicou, também, cinco livros infantis, todos pela editora Miguilim. Participou de antologias como Roteiro da poesia brasileira 2000 (ed. Global) e A extração dos dias (Escamandro) e tem poemas publicados em periódicos como Poesia Sempre e Revista Piauí. Prepara, atualmente, seu próximo volume de poemas, Mofo em floração, série de textos em que dialoga com o trabalho de outros poetas e artistas plásticos.
Nove meses você me espera
nove meses fabrica:
esvaziar os desejos, até que sobre
só a matéria
líquida
início sem forma:
nasceremos juntas
trinta e nove anos demoro para me formar
você espera, preciso de mais nove meses
para perder
desfazer o contorno, as conquistas
descer, descer, descer
às primeiras batidas
até a noite das formas
e misturar-me a você
estou no útero, minúscula
ganhando pele, músculo,
aqui no fundo do corpo
escondida do mundo, fundo, fundo
você espera
que eu me forme mais uma vez
exige:
nove meses de testes diários
renascida
de que líquido primordial, fechada
na primeira casa
saltar uma casa, está bloqueada a aposta:
você insiste, adere ao núcleo
mais seis meses, venha, você chama
desça volte, depois nasceremos
da mesma placenta do mundo
voltar ao primeiro movimento
não saberia nascer sozinha, insinua
desça, desça até aqui, pequena, concentrada
e voltamos:
o caminho é queda, depois espiral
proteger-me da queda, mas só a espera é proteção
não tenho tempo, penso na descida,
você afirma a vida, o tempo é novo, outro alimento
não tenho tempo para nascer, explico
você ignora, espera:
ainda há seis meses para desfazer o medo
você se aproxima, acolhe
sou filha, filha, o corpo cresce, indiferente:
descer, voltar cair, crescer, crescer, crescer
todos os movimentos são você.
O sim é a cruz
que se apaga em minutos
difícil de distinguir
na tarde clara demais.
O visor, discreto, revela
pequena mancha vermelha:
a fecundação é cruz é sol
signo primitivo
matemático
. [na sombra dos corpos
sobrepostos estamos.
O sim é sinal da soma
do que antes insinuamos
nos dois lados da equação:
os traços inventam meridianos
certo modelo de forma
começa a moldar o silêncio:
linhas de fuga dividem
a nossa vida, antes e depois
de você.
Amanhã será o primeiro dia
Nascer é sempre prematuro.
Continua no tempo
descontínuo
do corpo
esfera partida.
Sim, nascer é excessivo.
Prolonga-se na vida
diluído em pequenos fins
e voltas
Nascer é também a hora certa.
Verbo que espreita, salta
movimento em círculo.
Nascer é provisório.
Reinventa seu próprio início.
Continuar a nascer até o último dia
e mesmo depois
. continuar
Agora, sou eu que descendo de você
A máquina procura sua existência
você está ali, pequena mancha
à espera de corpo
está ali, no fim da seta
que atravessa a noite do útero
o médico aponta: este é o embrião.
Desenha a reta branca que não condiz
com o movimento da gestação:
labirinto em mutação, jogo de sombras
vejo em contraste.
O sangue não será perda,
é antes, ninho, você escolhe um lado
fixa-se, o sangue é o sinal que emite
primeiro ensaio de comunicação.
Os ouvidos da máquina chegam ao seu coração
duas vezes mais rápido que o meu, descubro
a velocidade é inversa ao tamanho
penso em abelhas, flores, colmeias,
. [sinto um peixe abissal.
Você é do tamanho de um grão de lentilha
. – toda comparação é vegetal
o corpo, alimento, destrói as simetrias:
o coração como o útero, como um punho
mas o útero se expande, espalmado
envolve você em casulo
o coração repete o ato, envolve-nos,
as mãos se confundem e pulsam
tecem outros nascimentos
palavras, sonhos, gestos,
O corpo destrói as defesas
as separações