Antônio Pedro Marinho Lage nasceu no dia 7 de março de 1952, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. Autor de uma vasta obra, era frequentador assíduo dos saraus poéticos do Rio de Janeiro, sendo muito conhecido pela cena carioca a partir da década de 70. Em 1976 publicou o seu primeiro livro, ‘Vai que vai’. Neste período ficou amigo de poetas como Cacaso e Chico Alvim, onde se reunia com uma rapaziada “da pesada”, que logo formaria a “Nuvem Cigana”, junto com Tavinho Paes, Charles Peixoto, Ricardo Chacal e Xico Chaves. No final deste ano, Pedro parte pelo mundo afora com seu amigo Lui Fontes, passando por países da Ásia, Europa e Oriente Médio. Volta ao Brasil em 1978. No início da década de 80, ajuda a fundar o “Circo Voador”, e passa a organizar o recital de poesia ‘Conversa Portátil’, nome em homenagem a um livro do poeta Murilo Mendes. Pedro Lage faleceu no dia 25 de abril de 2022, aos 70 anos, no Rio de Janeiro.
LUA DO MEIO-DIA
A Lua do meio dia,
oculta em seu brotar,
espera que o sol se ponha
para, então, despontar
no meio do céu, lá em cima
de tudo o que faz brilhar
com seu espelho de prata
– Lua branca sobre o mar.
No alto do céu aponta
suas flechas de desejo
sobre a Terra que emudece
aos segredos do luar.
Lua tonta, nua, solta,
– Lua branca sobre o mar.
NO AMOR
Quando é que o escravo pode ser dono,
quando o que pertence vem a ser proprietário
e aquele que serve ser também senhor?
Na dor? Nem tanto, eu diria: mais no amor.
Mas, no amor, se tanto, como haver escravidão?
É que no Amor há tudo: até a dor do sofrimento,
até a paz da solidão.
E a propriedade?
Porque ele (o Amor) não é comum, é próprio
a cada um que ama de verdade.
E a verdade?
Bem, desta ninguém sabe:
embora esteja em toda parte,
é bastante invisível e em ninguém,
nem em nada cabe.
MÁ FAMA
montanha picada de raios
a noite parece dia
rios de pedra e lama pelas vertentes
varam os muros transpassam as casas
alcançam sonhos e dores
(que, muitos, já não se livram)
respingam nos noticiários
geram verbas, comentários
imprecisos…
rios de pedra e lama
tempestade, escarcéu:
o mar parece tranqüilo
a montanha tem má fama
tsunami vem do céu.
DO AMOR
A poesia se escreve no silêncio de um quarto vazio
– um porque vazio de estrelas espelhos e sombras,
gruta de beijos-cascatas e sabiás brejeiros que por
ali não passam, mas despejam seu aroma, seu sabor
em algum canto do Universo – e um bilhete na mão.
A poesia se inscreve num olhar de mulher nesse quarto,
a mesma noite de frio – ou no calor de um verão invencível
em que o poeta não se derreta jamais em si mesmo…
A poesia eu não escrevo, eu muito,
o manto desta verdade arde em meus olhos vivos,
tuas lágrimas sem conta, o luar mais triste sobre a canção
feita pra ti, por mim, por todos nós que somos um – e teu,
pra sempre teu.
CONSELHOS DO MERCADO AO CIDADÃO PACATO
Ninguém tem pena de ti, ó burro manco,
comido de lazeira, carregado de danos.
Não te iluda tua vesguice:
Ficas abandonado no caminho,
sem comida, ao relento,
se é que não passa um lobo e te devora
– os muros de concreto não têm dono
do lado de fora. Porém,
se pagaste teus deveres, pegaste tua migalha,
raspa fora, então, direto pra TV, canalha,
senão, pensa bem,
passa um bonde (ou o caveirão)
e te escangalha.
*Poemas do livro “Dicionário de estrelas”, Editora Ibis Libris, 2011.