Umberto Poli, mais conhecido pelo pseudônimo “Saba”, nasceu em 9 de março de 1883, na cidade de Trieste, Itália. Poeta e romancista, foi considerado participante da tendência poética italiana chamada de hermetismo, mas, aos poucos, foi visto como um antagonista do movimento. Judeu e dono de um sebo, foi duramente perseguido durante a Segunda Guerra, acossado pelas leis raciais do fascismo/nazismo que se impunha sobre a Itália. Faleceu em 26 de agosto de 1957, em Gorizia, Itália.
CAFÉ TERGESTE
Café Tergeste, a tuas mesas brancas
repete o bêbado o seu delírio;
e eu escrevo meus mais alegres cantos.
Covil de meliantes, prostitutas,
a tuas mesas sofri o martírio,
para formar-se um novo coração.
Pensava: Quando tiver gozado
a morte, o nada que nela predico,
o que me compensará de haver vivido?
Não ouso gabar-me de ser magnânimo;
mas, se nascer já é um mal, com meu inimigo
serei, por maior culpa, mais piedoso.
Café de plebe, onde outrora escondi
meu rosto, com alegria hoje te miro.
Tarda a noite, tu concilias
o italiano e o eslavo em teu brilhar.
MEIO-DIA DE INVERNO
Naquele instante em que estava feliz
(Deus me perdoe essa palavra grande
e tremenda), quem quase ao pranto trouxe
minha breve alegria? Direis: “Alguma
bela criatura por ali passando
que te sorriu”. Não foi senão um balão,
um errante balãozinho turquesa,
no azul do ar, no azul do céu natal
nunca tão resplandecente como agora
no claro e frio meio-dia de inverno.
Céu com alguma nuvenzinha branca,
e as vidraças flamejantes ao sol,
e a fumaça tênue de uma ou duas chaminés,
e sobre todas as coisas divinas
aquele globo escapado da mão
incauta de um menino (ele chorava
de verdade sua grande perda
em meio à multidão), errando entre o Palácio
da Bolsa e o Café de onde, sentado
atrás de um vidraça, sigo, o olhar brilhando,
seu tesouro que ora sabe, ora desce.
RESTAURANTE POPULAR
Imensa gratidão eu devo à vida
que conservou estas coisas tão caras;
um oceano de delícias, minh’alma!
Oh, como tudo em seu lugar se encontra!
Oh, como tudo em seu lugar ficou!
A salvação também está na pobreza.
Ver da amarela polenta a beleza
me enternece; o coração se enleva
por ocultos fascínios ao extremo
do que pode sentir a alma humana.
Eu, se pudesse, aqui queria morrer,
aqui me trouxe um instinto. Indiferentes,
ao lado, comem uns pedreiros; e um velho
que a refeição sem vinho terminou,
fechado em si, e ao suave calor,
como no acolhedor ventre materno
o nascituro. Talvez se pareça
ao meu pobre pai, errante no mundo
e que minha mãe maldizia; um menino
assustado escutava. Das origens
sinto-me perto; e, se não me engano,
de volta sinto-me a um lugar que é meu;
ao povo em meio ao qual morro, onde nasci.
[POR ENTRE IMAGENS…]
I
Por entre imagens tristes, dolorosas,
passou-se infeliz minha juventude,
que a arte para outros fez ditosa
como uma verde e tranquila vertente.
Tudo quanto sofri dizer não vale,
nem o querem expressar as minhas rimas.
Elas amam falar de quem assim diz:
tudo faria igual se renascesse.
Sem a coroa de louros desejada,
fui, da Itália, talvez o único poeta;
mas isso não tornou minh’alma amarga.
Quando fraco me sinto, não entristeço.
O orgulho é o meu melhor pecado humano.
Minha jornada se aclara com o crepúsculo.
CIDADE VELHA
Muitas vezes, ao voltar para casa,
tomo um caminho escuro da cidade velha.
Brilha amarela em alguma poça d’água
a luz de um poste, e um multidão enche a rua.
Aqui, entre a gente que vem, que vai,
do botequim à casa ou ao bordel,
onde fardos e homens são o detrito
de um grande porto de mar,
encontro, passando, o infinito
no humilde.
Aqui a prostituta e o marinheiro, o velho
que pragueja, a mulher que briga,
o soldado sentado em frente ao vendedor
de frituras,
a aflita jovem desesperada
de amor,
todos são criaturas da vida
e da dor;
nelas habita, como em mim, o Senhor.
Aqui na companhia dos humildes sinto
meu pensamento fazer-se
mais puro onde mais torpe é o caminho.
*Poemas do livro “Poesias”, Giulio Einaudi Editora, 2024.
Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti