Rosario Castellanos nasceu a 25 de maio de 1925, em Comitán, no México. Uma das mais importante poetas mexicanas de todos os tempos, fez parte da Geração de 1950, formada por poetas pós-segunda Guerra Mundial e que foram influenciados, principalmente, pela obra de Cesar Vallejo. Sua obra apresenta questões de opressão cultural e de gênero, e seu trabalho influencia a teoria feminista e os estudos culturais, sendo considerada símbolo de manifestos em defesa dos direitos das mulher em seu país. Foi nomeada embaixadora do México em Israel, em 1971, e trabalhou como professora na Universidade Hebraica de Jerusalém, além de seu trabalho como diplomata Rosario Castellanos morreu em 7 de agosto de 1974, em Tel Aviv, aos 49 anos.

O OUTRO

Porquê pronunciar nomes de deuses, astros,
espumas de um oceano invisível,
pólenes dos jardins mais remotos?
Se nos dói a vida, se cada dia chega
rasgando as entranhas, se cada noite cai
convulsa, assassinada.
Se nos dói a dor de alguém, de um homem
que não conhecemos, mas que está
sempre presente e é a vítima
e o inimigo e o amor e tudo
o que nos falta para sermos inteiros.
Nunca digas que é tua a escuridão,
não bebas de um trago a alegria.
Olha à tua volta: há outro, há sempre outro.
O que ele respira é o que a ti te asfixia,
o que come é a tua fome.
Morre com a metade mais pura da tua morte.

PEDRA

A pedra não se mexe.
No seu lugar exato
permanece.
A sua fealdade está ali, no meio do caminho,
onde todos tropeçam
e é, como o coração que não se entrega,
volume da morte.

Só aquele que vê se diverte com a ordem
que a pedra sustenta.
Só no olho puro daquele que vê
o seu ser se justifica e resplandece.
Só a boca daquele que vê a louva.

Ela não percebe nada. E obedece.

EPITÁFIO DO HIPÓCRITA

Queria e não queria.
Queria com a sua pele e com as suas unhas,
com o que muda e cai; negava com as suas vísceras,
com aquilo que nas suas vísceras não era serradura, com tudo
o que pulsava e sangrava nas suas entranhas.

Queria ser ele e o outro.
Siamês partido ao meio, procurava
a coluna de osso para se agarrar, pendurar
as cartilaginosa consistência de hera.

Hospedaria vazia,
ator, dava pousada à personagem.
Gesticulava vendo a sua sombra nas paredes,
deglutia palavras sem sabor, arrotava,
ressoando no seu vasto de tambor.

Ensaiava ademanes
– heróico, nobre, prócere –
para que o transbordar a lava do elogio
o cobrisse coalhando depois numa estátua.

Não a sós, nunca a sós!
proferiu o brinde final,
ergueu a taça amarga da cicuta.

(Porém, não bebeu a sua morte mas a do espelho)

A PEPITA MAIA
(No Museu Arqueológico de Tuxtla)

Abafando o riso
com a pequena mão,
saltando entre os séculos
vens, em graça e pedra.

Que caiam os muros
escuros que te cercam,
que te dêem o regaço
da tua mãe, a terra;

no ar, no ar
um alegre guizo
e uma roda de crianças
com quem a tua infância brinque.

A MULHER QUE VENDE FRUTA NA PRAÇA

Amanhece nas cuieiras
e o ar que as toca espalha-se como ébrio.
Terias de cantar para dizer o nome
destas frutas, melhores que os teus peitos.

Com langor de cama de rede
a tua cintura caminha
e levas a sentar-se entre as outras
uma ignorante dignidade de ilha.

Ficarei a teu lado,
amiga,
falando com a terra
todo dia.

DESAMOR

Viu-me como se vê através de um vidro
ou do ar
ou de nada.

E então percebi: eu não estava ali
nem em nenhuma outra parte
nem nunca tinha estado nem estaria.

E fui como o que morre na epidemia,
sem identificação, e é lançado
à vala comum.

ELEGIA

Nunca, como a teu lado, fui de pedra.

E eu que me sonhava nuvem, água,
brisa sobre a folha,
fogo de mil cambiantes labaredas,
apenas soube jazer,
pesar, que é o que sabe fazer a pedra
à volta do pescoço do afogado.

ENCARGO

Quando eu morrer dai-me a morte que me falta
e não me recordeis.
Não repitais o meu nome até que o ar seja
de novo transparente.

Não ergais monumentos que o espaço que tive
devolvo-o inteiro ao seu dono e senhor
para que sobrevenha a outro, o esperado
e resplandeça o sinal do favor.

*Poemas do livro “Rosario Castellanos – Poemas Escolhidos”, Editora Antígona, 2020.
Tradução de Jorge Melícias