Mariana Basílio nasceu em Bauru, São Paulo, em 1989. Poeta, escritora e professora, é Mestre em Educação pela Unesp. No final de 2020 recebeu da Secretaria de Cultura de São Paulo o Prêmio por “histórico de realização em literatura”, e também o Prêmio Biblioteca Digital, da Biblioteca Pública do Paraná , na categoria melhor livro de poesia, com “Pangeia: A Etimologia do Ser”, impresso pela primeira vez em 2024 pela Assírio & Alvim.
por gestações e alguns metrôs
na fase lútea, no espírito úmido,
questione a mulher e os seus filhos.
quero morrer, quero fugir, eu quero
parar as veredas de mim em você.
a condensação sobre esta cleópatra
nascerá sobre as baratas e o cortiço
que o meu bisavô octavio pensionou.
é sobre o que te cega nas esquinas
em que você sorria para escapar.
pressionado óvulos, como antes
os ombros da metrópole são túneis
tântricos, para que você não hesite
pensa nas diaristas, nas sacolas
de plásticos dos vossos supermercados.
sobre cada traçado, pelas tubas nuas
escapulários de planetários ocultos
escavam mais com os seus choros
de um instante, por um poste duro.
orelhas e canções, sem afinações,
cruzam sinais na ponte do viaduto:
decisões rompantes de um desistente –
somos a distância, somos a paisagem –
as toalhas molhadas sobre os colchões:
uma arte dos vivos, a de não se safar.
(é como nomear um renascimento)
conselhos para quando você escapar
a brevidade seria a placa de barro.
a brevidade seria um olhar impeditivo.
a brevidade seria a lágrima grosseira.
a brevidade seria um casulo de privilégios.
a brevidade seria o bico aberto e ferido.
a brevidade seria uma mimologia sem som.
a brevidade seria a canção de ninar na tez.
a brevidade seria um castelo esvaziado.
a brevidade seria o copo de água bulindo.
a brevidade seria uma face em farrapos.
para formar um possível sorriso, todo seu.
Origens
o som de um primeiro sopro.
a vogal na voz é a luz veloz,
pula do forro à face da ideia:
é preciso voar para si mesmo.
na língua suada dos sentidos,
moldar da boca os seus bicos.
antes de você nascer te darão
sardas no amor, cabos de maçã.
mesmo quando quiser escapar,
ondas circuncêntricas te cuidarão.
Em silêncio descobri essa guerra no mapa
Descobri que tinha gosto de asas bicando
sementes, pelas letras caídas bem-te-vi
eu descobri, até sobrepor uma nova cor.
Um girassol inovador são os olhos
quando choravam sem pudor, por ali.
Descobri que tinha gosto de faca
amolando as brincadeiras, e a pipa
por onde o poeta rimava este cerco
brilha, brilha nos cinco elementos,
nas pálpebras abrindo as pelagens.
Sobre seus joelhos a guerra sumiria:
Mas deixem-nos com as armas, vá,
que deixem-nos sem as estrelas, vá.
Descobri que tinha gosto de chão
para enchê-lo de brilhantes eu vim
mesmo que os seus corpos planem
pelos sacos de lixo veio um chão –
mas se essa rua fosse minha,
ela ainda seria de todos vocês.
Nós não somos números
Não somos abreviações ou representações.
As quantidades formam as possibilidades.
Nós não evitaremos morrer em vão,
como se as margens continentais se
perdessem no abandono dos países,
no equilíbrio desfibrilando o abismo.
Mas absorveremos o amor das colinas,
o amanhã te farás em uma flauta mágica.
Goste de imaginar o impossível, quando
você ressuscita no terceiro dia e sai
flutuando pela Faixa de Gaza.
pintura sobre um gramado de tintas
às portas da percepção as moradas
procuram verdades como no jazz
a canção é um museu de pactos
molhando palavras com melodias:
são os sinais de quem esperava o
início do processo de demolição.
um animal quente que se estende
à linguagem no meio do retrato
indicará o caminho de cada um.
sou ela, mariposa de balões aéreos,
inseto de riquezas com o bumbum
à procura de luz; cozidos do avesso
de você fiz o desenho mais perfeito
que se faz, pincéis com seus dentes
sonhava que neles amaria a morte
por cima eu serei todos os dias
por flashes da terra tremulados,
manifestados no que me escapa.
no começo do planeta te acharam
sobre os seus cabelos é que fomos
as coisas, como nós arranha-céus,
as extinções que nos sussurram,
feitas pelo diabo, e do fogo puro
nossa familiaridade é tão natural.
às colunas de acalmados edifícios,
antes que você não se despedisse
nada disso aconteceu bem assim.
trabalhei você em luz e sombra
pois entrelaçávamos os dedos em
“2” éramos um disco, uma argúcia espelhar
das cores que li nos traços que te vi
fluindo por dentro de nós, a cada dia,
quando sorríamos de olhos fechados.
*Poemas do livro “Pangeia”, Assírio & Alvim, 2024.