Tom Lê Grito Vargas de Oliveira Brito nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 16 de maio de 1979. Tom Grito é poeta e dedica-se à poesia falada (spoken word/poetry slam) e às micro-revoluções político-sociais. Pessoa não binárie transmasculine, é entusiasta da cena de poetry slams e saraus de poesia no Brasil, participou da fundação do Tagarela (2013), primeiro slam do Rio de Janeiro, e do Slam das Minas RJ (2017) @slamdasminasrj, primeiro slam de mulheres e LBTs no Rio de Janeiro. Como slammer, participou do Slam BR em 2014 e 2015 e foi vice-campeão do Slam Nacional da Flup, em 2015, e vice-campeão do Rio Poetry Slam em 2017. Foi campeão da batalha do Slam no Espaço Favela do Rock in Rio em 2018. Integra as antologias: Poesia de Esquina (2018/Esquina Editorial); Tente entender o que tento dizer (2018/Bazar do Tempo); A resistência dos vaga-lumes (2019/Editora Nós); LGBTQIA+ /Coleção Slam (2019/Autonomia Literária); Querem nos calar (2019/Editora Planeta). Lançou seu primeiro livro “Antes que seja tarde: para se falar de poesia” (Editora Malê) em 2019 sob o cisheterônimo de Letícia Brito e, mais recentemente, “Eu sei como sair vivo disso”, Editora Malê, 2023. Em 2020 participou da sexta edição do Mundial Poético de Montevidéu, Uruguai. Colaborou na curadoria do Slam Cuír na Flup, primeiro Slam nacional de LGBTIAQ+.

EU SOU

Eu sou o que algumas mulheres
querem chamar de mulher
e o que muitos homens
não querem chamar de homem.
Eu sou o que as travestis
querem chamar de homem
e o que minha família
não que chamar pelo nome.


UM MINUTO DE POEMA

A gente roda, roda e não da sala pro quarto, do quarto pra cozinha, três
voltas ao redor dos pés, um zunido persistente na cabeça e a sensação
de que eu vivi o fim do mundo na semana passada. Já faz tempo
que ninguém faz nada. O trabalho cancelado, o futuro improvisado,
ao menos minha companheira, ao meu lado. Aqui ainda há abraços.
Mesmo não tendo muito espaço, mesmo eu sendo traído pelo cansaço.
O futuro é incerto, mas eu já sei meus passos. Vou seguir vivendo do
mesmo jeito. Um dia de cada vez, sem fama, sem dinheiro. Um poema,
de um minuto, até contagiar vocês.

RECADO AOS POETAS

Poeta,
O assunto que me traz até você
É emblemático, problemático
Estatístico e complexo
Eu sei que você sabe do que nos abala em profundo
Atento aos descasos, injustiças do mundo
E brada aos sete ventos
E aos 12 pontos cardeais
Eu sei bem que és um poeta
Um profeta dos novos tempos
Um trovador,
um griot

Sei também que você fala
da dor que te atravessa,
que contempla o mundo com calma
mas quer justiça às pressas
pois pra quem resiste à luta
três minutos é muito tempo
.      – e quase nada –
pra quem ainda tem tanto por sonhar

Eu conheci outros como tu
Poetas poetas também
que não puderam mais esperar

Não os culpo, não os julgo

Este poema não é sobre eles
.   – e para que descansem –
seus nomes não vou mencionar

Este poema até é sobre desistir

É sobre como a poesia me fez
desistir de me matar

E entender que vencer
não é nunca ganhar

E assim como os amigos que perdi

Também poetas

Eu também ando cansado

Poeta, eu sei que você sabe
que lutar às vezes cansa
mas eu venho aqui te falar

Poeta,
quero te pedir pra seguir fazendo com cada um de seus poemas
uma bolinha de papel
pra jogar neste grande
cis-tema de engrenagens

Você chegou até aqui.
.  – Porra, poeta, tá de sacanagem?
Passou sua mensagem

Veio sozinho
Sem técnico, sem time, sem massagem
Não ganhou nenhum dinheiro
No máximo hotel, x-uber e ajuda pra passagem

Campeão no seu estado
Exemplo de resiliência, paciência
e coragem

Campeão no seu slam
Fortalecendo a comunidade

Explicando as injustiças
Para os de menor idade

Incentivando a leitura,
diminuindo o preconceito
que não vai ter jeito
Tornando nacional
cada micro revolução

Tornando cada poeta
esperança de transformação

Tornando cada ouvinte
no próximo a declamar

Tornando cada leitor
em propagador das
múltiplas verdades

Somos muitos,
Poetas

Somos todes, poetas
.    – Somos uma multidão –

Mas de que vale o slam se a vida do poeta for interrompida em vão?

Por isso eu te abraço
e te peço, poeta

Nada vale nesse jogo
mais que a sua vida
.    – já basta o estado que é genocida –

Eu não aceito mais nenhum poeta suicida

Já ouvi de Jazz, de Joelle, de Luiz Ribeiro e de Guimarães Rosa essa
mensagem

Por isso aqui vos repito
Poetas,
“o que a vida quer da gente é
Coragem!”

25 DIAS

O tempo escorre pela ampulheta,
lá se foi mais um dia

O aplicativo afirma
25 dias sozinho.

Na verdade,
aqui no peito
se marcam
25 dias
sem você.

Sem acordar do seu lado,
sem seu cheiro no travesseiro,
sem, com efeito,
respirar.

É um suspiro preso
que bebo, mas não engulo,
beijo, mas não dissolve,
choro e não sedimenta.

Saudade é dor de ausência de futuro.

E isso
realmente
não tenho como prever.

Talvez tenha se extinguido
uma atenção,
um meio,
um meteoro,
uma população.

O amor
está em extinção.

*Poemas do livro “Eu sei como sair vivo disso”, Editora Malê, 2023.