Leandro Jardim é carioca, mas nasceu, por acaso, em Birmingham, na Inglaterra, em 1979. Poeta, prosador e compositor musical, tem até o momento 9 livros publicados e dois EPs, em parceria com Rafael Gryner. Foi colunista da Revista Philos, e possui contos e poemas publicados em diversas antologias e revistas literárias.
edifício
edificar
disseram-me sobre a vida
mas não encontramos nos dias
a argamassa requerida
nem fomos da obra
mestres arquitetos peões
era uma falácia a engenharia
que nos urdia os passos
a demolição prévia
soubemos fazer
os descampados selvagens
os encontramos
onde queríamos-devíamos chegar
não era mistério
mas havia uma camada fina
bruma invisível a empurrar
e os acasos coincidentes
as reincidentes interpretações
desejo por toda a parte
profetas de toda a sorte
seguimo-los todos
e sempre e nunca e às vezes
pudemos
como pudemos
o melhor que pudemos
apesar de uma recorrente preguiça
apesar do prazer desviante
e a pesar os porquês
assim subimos
como tijolos guindastes
ascendemos
é verdade
mas não sobre andaimes
ou exoesqueletos quaisquer
não criamos prédio algum
nem os queremos terminar
e que um último andar
não seja o projeto nosso
que a verticalidade rígida
não nos faça sombra
a essa rua horizontal
que é de partir e ficar e seguir
como o céu com o mar
como a frase a correr
como que ao deitar
sonha e sabe ir e vir
paisagem
há uma paisagem
interna
que me observa:
televisão, parede,
janela.
sou o vento,
sol e chuva ao longe,
mar em movimento
sutil,
e o tempo ainda passa.
outras paisagens
se alternam a me espiar.
e pensam
me levar, mas fico
o céu a água o frio.
fico tudo isso,
cigarras, falas distantes,
são o que sou e o que
a paisagem fotografa
agora, eu.
frisar quando incomoda
acomoda o que cala
e num tiro dispara
incontida escolha
e se explode à bala
o que era só bolha
quando não mais se poda
o que estava na cara
chega pensa sai para
porra cara tá foda
ou melhora o que fala
ou te enfio uma rolha
a leitura do poema
quando dizem “leia
é um poema” você respira
mais lentamente entre as orações
mas não o dizem
e ainda assim
você percebe
não só pelos versos há poesia
em prosa e sem metro mas
se dizem talvez você tente
contar em vão as sílabas
e ainda assim
não há dúvida de que se trata
de um poema respira-se
o voo contido da divagação
há um estar-se e um alienar-se
de mão dadas você
e eu e o verso podemos
ter mãos e dá-las e ainda
assim não comungarmos
a mesma mensagem quando
dizem leia é um poema
sem aspas esqueça a teoria
é cadência apenas veja
e um outro ritmo a respirar
fundo este feito feito ar
*Poemas do livro “Edifício”, Patuá Editora, 2023.