Leonardo Marona nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no dia 4 de fevereiro de 1982. Poeta, romancista, tradutor e livreiro, atualmente mora no Rio de Janeiro. Estreou na literatura em 2009, com os poemas de “Pequenas Biografias Não-autorizadas”. Desde então, seguiram-se mais cinco títulos de poesia — L’amore, Óleo das Horas Dormidas, Herói de Atari, Uma Baronesa às Quatro da Madrugada e Baby Buda, que acaba de ser lançado pela Corsário Satã —, o livro de contos Conversa com Leões e os romances Cossacos Gentis, Dr. Krauss e N.

“adeus”

hoje estou
contando dias e horas
com a ligeira impressão
de que cortaram fora
os dedos da mão.

existe um ônibus
à minha espera
do outro lado
do pensamento.

ouço o seu freio-
motor antecipado
uma curva fechada
onde repousa meu
óleo essencial.

pelas curvas
dessa
nova estrada
queria
encontrar
no lugar das
placas
marcas
de pneu gastos

e nas marcas
rastros
do meu amor.

mas ninguém
conhece o que
ama.

ama-se
surpreendentemente
como quem acolhe
um tiro.

“poeminha quântico”

somos todos costurados
neste mundo plano feito
efeito de um só estilhaço
que explodiu para dentro.

se não olharmos,
tudo são possibilidades.
quando olhamos,
partículas de existência.

coisas não
são coisas:
são tendências.

quero me libertar totalmente
como se todo caminho fosse fluxo,
carga inconsequente em transe fixo.

você já viu a si mesmo
através dos olhos vesgos
de quem você se tornou?

um ser humano saber
sobre a origem das coisas
é como um peixe saber
sobre a origem das águas
ou as bombas saberem
sobre a origem da guerra.

enquanto os espaços infinitos
forem vontades normatizadas,
seremos apenas antipromessas.

descartes

no escuro da noite
onde não há perdão
permanece o amor.

somos um pedaço
do que não restou
no escuro da noite.

onde não há perdão
somos um pedaço.

do que não restou
permanece o amor.

“orangotangos”

herdeiros da poesia entalada e da urina impura,
colheremos o excremento de mentes inseguras.

engoliremos o escárnio de anos em banho-maria.

as tradições tribalistas dos hinos de guerra e paz,
nós a criamos todas, e estávamos desacordados.

não tente entender as convicções que ressonavam,
carinhosas como abutres sobre a carne entorpecida.

herdeiros da poesia sem olhos, tatearemos por trás,
navegaremos incertos, horizonte em mil naufrágios.
e de nossos olhos, ao menos – pobres – os abutres
herdarão um resto magro – de uma arte ancestral.

“rilke”

como a paz que não envergonha…
vulto cego de verdade inaudita,
se do teu fruto sem folhas
serves a mim com metade infinita
meus olhos duvidam da tua métrica,
de como tuas lágrimas vêm dela,
mesmo quando a mão vacila.

aliás, outro dia,
pensando em trevas,
li tuas cartas tão claras
a um novo poeta.

serviram para amar meu pai
pelos erros da falta de calma
e engrandecer a busca estética
sem medo de contra-contagem
expressa no que se fecham
as asas tímidas de um anjo.

tu: anjo assassino.
simples assim…
amar as perguntas em linham
em quartos fechados ou livros cegos,
como se toda a tua vida fosse espera,
como se por toda a minha vida
nosso encontro fosse idioma sem letras,

ou fosse arroubo de um livro e meio
para reconhecer no teu ponto fugidio
meu próprio destino inteiro,
no entanto um destino proibido,
como a paz que não tem vergonha…

*Poemas do livro “_pequenas biografias não-autorizadas”, 7 Letras, 2009.