Júlio Castañon Guimarães nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1951. Poeta, professor e tradutor, vive no Rio de Janeiro, onde se formou em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1975, além de concluir Mestrado e Doutorado em Letras Vernácula, também pela UFRJ, nos anos de 1983 e 1993, respectivamente. Em 2006-2007, fez estágio pós-doutoral no Centre d’Etudes de l’Ecriture et de l’Image, na Universidade Paris, com bolsa Capes, e no Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Pesquisador aposentado da Fundação Casa de Rui Barbosa, enfatizam sobre o Modernismo e edição crítica, atuando principalmente com temas ligados à poesia brasileira.
Seus livros de poesia foram reunidos em Poemas (Cosac Naify/7Letras, 2006), tendo publicado a seguir Do que ainda (Contracapa, 2009). Escreveu também estudos, como Por que ler Manuel Bandeira? (Globo, 2008) e Entre reescritas e esboços (Topbooks, 2010). Traduziu “As flores do mal”, de Charles Baudelaire (Penguin/Companhia das Letras, 2019, prêmio Paulo Rónai de tradução da Biblioteca Nacional), além de outros autores, como Stephane Mallarmé, Paul Valéry, Arthur Rimbaud, Roland Barthes e Francis Ponge.
Numa sala de concerto
Os sons que aqui se produzem
primeiro se põem a ocupar espaço
– sua massa expandindo-se.
A mais, elaboram-se de fato
ao ponto de, em seu volume,
definirem esse espaço,
Não apenas o interno desse espaço,
mas o que o enquadra.
Como se não houvesse havido,
prévia, desta sala, sua construção,
o som conformaria as próprias paredes,
na justa medida de suam dele som,
necessidade. Concreto.
Íngreme
O íngreme definiria uma postura.
De fato institui é, no a mais do peso,
o esforço para avançar ladeira acima
e a respectiva postura, que corresponde,
encurvada adiante, à direção em que se vai.
Mas as pedras do calçamento nem
sempre anunciam ladeira abaixo
o necessário e respectivo recuo, agora
na direção em que se não vai,
reteso como que a rejeitar o passo,
ou querer mas não querer,
para que o mais no peso e a postura
irrespectiva não precipitem tudo
justamente ladeira abaixo.
Desta janela, uns…
Desta janela, uns fundos de casas,
dois ou três quintais – verdes,
num desalinho de quase abandono,
silenciosa, desolada e sombriamente verdes,
salvo pelos limões, seu amarelo incontido,
pronto para romper o silêncio.
E por esta janela esses quintais
e seus limões começam a avançar
sua imagem, irrompem
sua cor (mesmo seu cheiro)
pelos sentidos adentro, invadem o quarto,
invadem, ali, o dia que ali é noite.
E o resto de vida nesta sua sombra
acha que talvez pudesse agarrar-se
a esses pontos luminosos.
A mesa
a mesa no quarto
no hotel definida:
sem metáforas
nem antepassados
a mesa e sólida
deserta
e desertas as paredes
as horas
rumor nenhum sequer
traços que se apagam
nada do que sobre
ela (não) esteve
o bloco de papel
com timbre e nada
no branco de cada
folha cada parede
pelo quarto à volta
indelével a marca
de uma escrita abolida
e ninguém
Abismo
Da paisagem
não é tanto este descampado
ou esta trilha e sua curva
o que interessa aqui;
não há também que considerar
a hipótese de uma geometria
que aqui a consumisse;
aqui ela não é mais que
um método segundo o qual
do abismo de dentro se extrai
o que no horizonte se arquiteta
com resquícios de sons.
*Poemas do livro “Sequências”, Editora Círculo de Poemas, 2024.