Zulmira Ribeiro Tavares nasceu em São Paulo (SP), no dia 27 de julho de 1930. Poeta, escritora e crítica de cinema, era pesquisadora na Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo (USP), onde ministrou curso de pós-graduação em cinema. Também foi integrante do conselho da Cinemateca Brasileira. Recebeu os prêmios “Revelação de Literatura”, pela APCA, em 1974, o “Mercedes Benz de Literatura”, em 1985 e o Prêmio Jabuti, na categoria “Livro do Ano de Ficção” e na categoria “Romance”, ambos em 1991. Faleceu no dia 9 de agosto de 2018, em São Paulo.
As mãos os olhos
As mãos curiosas os olhos sonolentos.
As mãos se imiscuem os olhos piscam.
As mãos olham com as pontas dos dedos
ao redor – A palmeira no centro.
Os olhos se esfregam no sono
como os recém-nascidos na mama.
Partiram os olhos deixaram as mãos
sem resposta – vazias
na vigília fechando e abrindo
como pálpebras.
Relojoaria velha
O coração preso no relâmpago.
Um risco de ouro no vento: furibundo.
Um clamor de pânico no maquinismo
velho como os ares do verão a cada ano.
Chicote rápido elétrico sovando o céu.
Trovão e quebra
do coração ribombando longe.
Rente ao chão o aguaceiro alegra
minhocas saltando livres
molas soltas no barro.
O arquiteto e a bailarina
Como um compasso
as pernas de aço abertas
Primeiro uma perna no chão
a outra perna na barra
Depois a troca das duas
pontas da sapatilha
Com os pés em ponta ela faz
aquilo que ele lhe ensina
O compasso nas mãos que o seguram
se abre e desenha um círculo
No umbigo ele a beija com a língua
como ajusta um parafuso
Sem exasperar a pressão
insiste e abre caminho
Avança seguro e cego –
na reta o ponto de fuga
Depois com mãos que arquejam
desenha a planta do mundo.
Agendas
O que me intriga na vida
É ela não ter agenda própria.
Escrevo eu em uma agenda
Ela por cima escreve a sua.
Por isso eu gosta da vida.
Porque não se leva a sério.
Porque me atraiçoa.
Europeia
Vida tristonha. Depois do verão
distraio-me com folhas caindo no outono
Porém poucas caem
por estes lados do mundo.
Uma ou outra por vezes – amarela.
Eu me consolo
me sinto europeia.
*Poemas do livro “Vesuvio”, Companhia das Letras, 2011.