Alexandre Brandão nasceu no dia 17 de novembro de 1961, em Passos, Minas Gerais. Mineiro, mas radicado no Rio de Janeiro há 40 anos, estreou na literatura nos final do anos 80, publicando poemas no Suplemento Literário de Minas Gerais. Desde então escreveu diversos livros entre poesia, crônicas e contos. Atualmente, ele assina uma coluna literária na revista RUBEM. Alguns de seus textos podem ser encontrados nas revistas eletrônicas Mallarmargens, Germina, São Paulo Review, além do jornal Rascunho.

Um grito

Sou coisa mansa
vale sem água protegido por montanhas
me faço ouvir pela mímica do sapato
enquanto fujo
pela mímica da dor
enquanto roo as unhas e o silêncio.

Roo o silêncio
na quebrada invariante da tarde
e chuto seu eco
: esse pássaro invisível
de asas melodiosas.

Coo a noite feito café
e caio em pó nos braços da escuridão
pó manso
brisa inerte
grito cheio de graça com o infortúnio.

Direita e esquerda

Ao sentar-me no muro da Urca,
vi à minha direita
um homem com um baita medo de uma abelha.
À esquerda um bebê segurava os próprios pés,
esticava as pernas, comia e balbuciava
sem a menor ideia do que seria o medo.

Matar

Neste outono dominado pelo verão
enquanto suo, escrevo e guardo o choro
vejo a alegria mórbida de uns tantos homens e
penso que, se me fosse dado o direito de tirar a vida
.                                                                      [de alguma coisa,
sangraria a palavra alma.

De que lado

Os de cá
os de lá
o rio que os separava evaporou.

Os de lá
os de cá
a estrada que os margeava erodiu.

Os de lá e os de cá
lado a lado
não sabem mais de que lado estão.

O velho vê

Passou bem ali
o menino que fui
não chupava manga, não comia caqui
assim mesmo o reconheci pelo espanto, seus huis.

Ô, danado, passa aqui
aonde você pensa que vai?
Vou contornar a vida e entrar aí
no velho apegado a meu deus e ais.

Ora, insolente,
nem gente você ainda é
e, quando chegar a ser, será este que o interpela de repente.

Ora, menininho,
vai num instantinho, não se atrase
meu tempo é curto para ainda abraçá-lo.

Chuva de pedra

Numa taça que não existe
em um bar igualmente inexistente
bebo o drinque concreto
.                       draconiano
.              seco
puro:
bebo o vento.

Bebo o vento, suave e constante,
empurrando essa chuva de pedra
para o porto em que você não me espera.

*Poemas do livro “Nenhuma Poesia: Uma Antologia”, Editora Patuá, 2020.