Marta Chaves nasceu em Coimbra, Portugal, no ano de 1978. Poeta, psicóloga clínica e psicoterapeuta, atualmente vive em Lisboa. Desde 2008 apresenta os seus poemas em diversas antologias poéticas e revistas de poesia. Publicou os livros: “Onde não estou, tu não existes” (2009), “Pensa que deixou de pensar nela” (2010), “Dar-te amor e tirar-te a vida” (2012), “Pedra de Lume” (2013), “Perda de Inventário” (2015), “Varanda de Inverno” (2018), “Avalanche” (2021) e “Intervalo” (2025).
Mistérios
Dentro de nós
há lugares que permanecem inacessíveis
para que possam subsistir.
*
Disse-te que as aves, perdidas do seu voo,
perdem também o nome por que poderiam
ser chamadas.
Disse-te saber que quando a idade avança
descobre lugares de desconforto
e outros aos quais não consegue regressar.
Hoje, se me ouvisses, diria que é fino o frio,
que a cidade fica a meio
com os olhos cheios de água.
*
Não precisas de me trazer mais luz ao olhos,
dessa que em mim se acende em cor.
Ninguém insiste na chamada da noite
que nos deixar a sós,
na certeza de que do outro lado não há corpo
para o qual estender os braços
e derrotar o medo,
solucionar a grande questão da
sorte ou do azar,
que nos traz tão lentos e depostos.
Quatro Paredes
Não sabia se era uma casa
o que procurava.
Uma providência para os dias do futuro.
Não era uma habitação.
Procurava imagens que só existem
enquanto o olhar pousa e se levanta.
Havia um fim à vista,
um gosto estranho rodeando a saliva
dentro de uma boca sempre fechada.
Nem beijos nem palavras.
Só a fecundação do silêncio
dentro da verdadeira casa.
Sernada
Passas debaixo da ponte
porque estás de visita ao rio.
Mergulhar a mão e eu sei
que tens vertigens dentro de água.
Ainda assim os teus dedos não tremem
e de um lugar que há muito não visito,
trazes a calma sem tristeza de um beijo.
*
É impossível
quando procuras
um mapa
um espelho
um lugar
onde assinalar
estes desaparecimentos.
*Poemas do livro “Perda de Inventário”, Editora Corsário-Satã, 2020.