Roger Robinson nasceu em Hackney, Londres, Inglaterra, em 1967. Poeta, músico e performer, é vencedor do T.S. Eliot Prize 2019 e do RSL Ondaatje Prize 2020, por seu livro “O Paraíso Portátil”. Robinson foi selecionado por deciBel & Arts Council England como um dos 50 escritores que mais influenciaram o cânone literário negro-britânico. Ex-aluno do programa nacional de mentoria The Complete Works (fundado por Bernardine Evaristo), atualmente ele ministra oficinas, algumas das quais integram o website “Can I have a word?”.


O DEVER DO PARAÍSO

É dever do Paraíso
reconfortar os deixados a sós,

pensando que seus amados e perdidos
sobreviveriam lá como pequenos deuses.

É dever das preces balbuciadas
ajudar a acalmar as dores e as fobias.

É dever do furgão longo e preto
expor que nos conduzimos à morte desde o berço.

É dever de uma cova bem dividida
relembrar-nos de viver dia após dia.

Ah, se só após pleno de meus dias a morte viesse,
e eu fizesse da Terra um Paraíso.

LIMERIQUE DA ESCRAVIDÃO

Bill era um escravo de Nantucket,
roubou um tapete e um mosquete.
Ouviu Fique onde está,
mãos ao alto, já.
Mas ziguezagueou correndo,
dizendo Foda-se.

WINDRUSH

Desembarcaram do navio
sobre passarelas de tábua,

bolsos embutidos nas calças
e malas com um lagarto vivo dentro de cada.

Uma hora poriam de lado
as gravatas de folha de bananeira

e então beberiam doses de sea-water, lá
no pub, com suas barbas de fumaça preta.

Fim de semana, bingo usando páginas de passaporte,
e à noite, levitar pelos salões de dança do Mecca.

Iriam comer seus bolinhos de massa frita e tubarão
salgado, pôr chapéus de abas afiadas feito faca

e vestir paletós transpassados, botões de moedas
grandes, com boletins de aposta como lenços.

E ainda assim, os três pássaros de madeira em suas paredes
voavam de volta pra casa em super câmera lenta,

porque nenhuma promessa era o que parecia,
mas foi, de alguma forma, mais que o que deixaram.

E SE EU FALO DO PARAÍSO

Então estou falando sobre meu avô
E se falo de meu avô
Estou falando sobre corridas de cavalo
E se falo de corridas de cavalo
Estou falando sobre meu pai
E se falo sobre meu pai
Estou falando sobre camisas de flanela
E se falo sobre camisas de flanelas
Estou falando sobre intelectuais
E se falo sobre intelectuais
Estou falando sobre revolucionários
E se falo sobre revolucionários
Estou falando sobre independência
E se falo sobre independência
Estou falando sobre o Paraiso
E seu eu falo do Paraíso…

SOBRE SADE

Sade nunca quis mais de
um take por música.
Julgava desnecessário.
Tinha sido educada para
evitar o desnecessário.
Sua família não era tão
expressiva, ainda assim sabiam
que havia profundidade ali.
Mas compartilhas o drama –
isso era considerado um extra.
Todas as coisas, até o que ela
vestia, se referiam às suas
fundações. O engenheiro de som
perguntou Qual o título da faixa?
Paradise, ela disse.
Ele perguntou sobre os erros nos vocais;
ela respondeu Que erros?

UMA JORNALISTA REPETIDAS VEZES ME PERGUNTA SOBRE RAÇA
NUMA ENTREVISTA SOBRE POESIA

Então lhe digo que minha avó podia praguejar
mais que marinheiro. E bebia rum também.
Bebia mais que homens imensos e jogava
nos cavalos – apostas laterais que lhe traziam
algum dinheiro. Ela me achava sortudo,
por isso, quando eu ia aos corretores apostar por ela,
me dizia para pôr outra aposta de escolha própria.
Eu sempre ganhava e lhe dava o dinheiro.
Ficava contente por ser sortudo.
Minha avó quis saber da minha poesia, e li com ela um poema
em que vinha trabalhando na época, algo sobre Carnaval
ole time mas. Lembro que o primeiro verso era sobre um padre
nervoso por ver a congregação suando vinho no Carnaval.
Ela disse que tinha algo que eu poderia usar nos poemas –
uma matéria de jornal de anos antes, sobre
uma princesa africana transformar as tropas invasoras inglesas
em árvores, tornando-as uma floresta nos arredores da cidade.
O mais insólito, ela disse, é que homens em casacas pretas
bateram à sua porta e exigiram a cópia do jornal;
ela os observou pela janela, reivindicando as notícias.

*Poemas do livro “Um Paraíso Portátil”, Editora Jabuticaba, 2024.
Tradução de Victor Pedrosa Paixão.