Raymond Clevie Carver, Jr. nasceu a 25 de Maio de 1938, em Clatskanie, Oregon, Estados Unidos. Poeta e escritor, foi participante do chamado “Realismo Sujo” e célebre por seus contos e poemas minimalistas. Suas obras têm sido incluídas nas mais importantes coleções norte-americanas, como Best American Short Stories and O. Henry Prize Stories. Carver morreu em Port Angeles, Washington, Estados Unidos, no dia 2 de agosto de 1988, aos 50 anos.

Meu trabalho

Ergo os olhos e os vejo descerem
para a praia. O jovem marido
usa um suporte para carregar o bebê.
Isso deixa as mãos livres
para que possa segurar a mão de sua mulher
e balança a outra. Qualquer um pode ver
como são felizes. E íntimos. E seguros.
São mais felizes do que qualquer um, e sabem disso.
Estão satisfeitos por isso, e humildes.
Caminham até o fim da praia
e somem de vista. É isso, penso,
e volto para essa coisa que rege
a minha vida. Mas em alguns minutos

eles voltam caminhando pela praia.
A única coisa diferente
é que trocaram de lado.
Agora ele está do lado oposto,
o lado do oceano. Ele está do lado de cá.
Mas continuam de mãos dadas. Até mais
apaixonados, se é que isso é possível. E é.
Eu mesmo já estive no lugar deles.
A caminhada foi modesta, quinze minutos
para um lado da praia, quinze de volta.
Eles tiveram de encontrar seu caminho passando
por cima de pedras e contornando imensos troncos
que o mar derrubou quando estava agitado.

Eles caminham calmamente, devagar, de mãos dadas.
Sabem que o mar está bem ali,
mas estão tão felizes que o ignoram.
O amor em seus rostos jovens. O amor que irradiam.
Talvez ele dure para sempre. Se tiverem sorte,
se forem bons e pacientes. E cuidadosos. Se
continuarem se amando sem restrições.
Se forem sinceros um com o outro – isso, acima de tudo.
E eles serão, é claro, eles serão,
e sabem que serão.
Volto ao meu trabalho. Meu trabalho volta a mim.
Um vento se agita sobre a água.

O cachimbo

O próximo poema que eu escrever terá lenha
bem no meio dele, uma lenha tão besuntada
de piche que meu amigo me dará suas luvas
e dirá: “Use essas luvas quando for
mexer com esse troço”. O próximo poemas
conterá também a noite, e todas as estrelas
do hemisfério ocidental; e uma massa imensa
de água brilhando por milhas e milhas sob a lua nova.
O próximo poema terá um quarto
e uma sala de estar só para ele; claraboias,
um sofá, uma mesa e cadeiras perto da janela,
um vaso com violetas colhidas pouco antes do almoço.
Haverá uma lamparina acesa no próximo poema;
e uma lareira onde galhos de aberto encharcados
de piche queimam e consomem uns aos outros.
Ah, o próximo poema lançará faíscas!
Mas não haverá nenhum cigarro nesse poema.
Vou começar a fumar cachimbo.

Meu corvo

Um corvo pousou na árvore em frente à minha janela.
Não era o corvo de Ted Hughes, ou o corvo de Galway.
Nem o corvo de Frost, Pasternak ou Lorca.
Ou um dos corvos de Homero, saciados de sangue
após a batalha. Este era apenas um corvo.
Que nunca se encaixou em lugar nenhum na vida,
nem fez nada digno de nota.
Ele se sentou naquele galho por alguns minutos.
Depois se aprumou e voou belamente
para fora da minha vida.

O poema que eu não escrevi

Aqui está o poema que eu ia escrever
mais cedo, mas não escrevi
porque ouvi você se mexendo.
Eu estava pensando novamente
naquela primeira manhã em Zurique.
Em como acordamos antes do sol nascer.
Desorientados por um minuto. Mas depois
saímos para a sacada, que dava para
o rio e a parte velha da cidade.
E simplesmente ficamos ali, mudos.
Nus. Vendo o céu se iluminar.
Tão empolgados e felizes. Como se
tivéssemos sido colocados ali
justo naquele instante.

Romantismo
.                                       para Linda Gregg, depois de ler “Classicismo”

As noites aqui têm sido nubladas.
Mas quando a lua está cheia, nós sabemos.
Sentimos uma coisa num minuto
e, logo depois, outra coisa.

Vocês não sabem o que é o amor
(uma noite com Charles Bukowski)

Vocês não sabem o que é o amor disse Bukowski
Eu tenho 51 anos olhem pra mim
estou apaixonado por essa garota
estou louco por ela mas ela também está
então tudo bem cara é assim que deve ser
Eu entro no sangue delas e elas não conseguem se livrar
Elas tentam de tudo pra se afastar de mim
mas no fim todas acabam voltando
Todas voltaram pra mim a não ser
aquela que eu enterrei
Por essa eu chorei
mas eu chorava fácil naquele tempo
Não me deixem partir pras bebidas pesadas
porque eu fico mau
Posso sentar aqui e beber cerveja
com vocês hippies a noite toda
Posso beber dez litros dessa cerveja
e nada disso é como água
Mas se me deixarem beber de verdade
vou começar a jogar gente pelas janelas
Vou jogar qualquer um pela janela
já fiz isso antes
Mas vocês não sabem o que é o amor
Vocês não sabem porque nunca
estiveram apaixonados é simples assim
Estou com essa garota sabe ela é bonita

De manhã, pensando no império

Pressionamos os lábios contra a borda esmaltada das xícaras
e sabemos que essa gordura que boia sobre o café
um dia irá parar nossos corações.
Olhos e dedos tombam sobre a prataria
que não é prataria. Do outro lado da janela, as ondas
batem contra os muros descascados da velha cidade.
Suas mãos se erguem da toalha de mesa barata
como para fazer uma profecia. Seus lábios tremem…
Tenho vontade de dizer: ao diabo com o futuro.
Nosso futuro jaz no fundo da tarde.
Ele é uma rua estreita com uma carroça e um condutor,
um condutor que nos olha e hesita,
depois balança a cabeça. Enquanto isso,
eu quebro indiferente o ovo de uma bela galinha Legorne.
Seus olhos se embaçam. Você os devia de mim e olha por cima
dos telhados para o mar além. Até as moscas estão paradas.
Eu quebro o outro ovo.
Seguramente nós diminuímos um ao outro.

*Poemas do livro “Esta Vida”, Editora 34, 2017.
Tradução de Cide Piquet.