Nelson Ascher nasceu em 1º de janeiro de 1958, em São Paulo. Especializado em comunicação e semiótica, publicou sua primeiro artigo sobre literatura, analisando a obra de Jorge Luis Borges.  A partir disso, no final dos anos de 1970, passou a publicar resenhas jornais como a A Folha da Tarde e a Folha de S.Paulo, onde fez críticas com e traduções de poetas como T.S. Eliot. e Herberto Padilla.  A poesia de Ascher foi traduzida na França, Holanda, Espanha, México, Estados Unidos e Hungria. Em 2006 foi finalista do Prêmio Portugal Telecom.


14 versos

Não zombes, crítico, da forma
que, além de poetas como Dante,
Quevedo ou Mallarmé durante
os séculos quando era a norma,

Púchkin, narrando com maestria
um duelo em seu Ievguêni Oniéguin
(num duelo desses morreria),
usou como outros não conseguem.

Sem rejeitar a própria era,
Drummond e Rilke, todavia,
levaram o soneto a extremos

de perfeição e, em sua cegueira,
Borges também, conforme via,
mais do que nós, que vemos, vemos.

Algo de escuro

Hoje é meu turno de compor
algo de escuro, mais que preto,
que seja, em seu negror perfeito,
a negação de toda a cor

e tenha além disto um sabor
inesquecivelmente abjeto
como o sabor de um grande inseto
numa feijoada ou coisa pior.

Quero também que este soneto
seja maçante, que o leitor
sinta-o no estômago, no peito

no cérebro que nem torpor
e o aprenda a contragosto, feito
qualquer canção ruim, de cor.


Arte poética

Como é que vim parar
aqui quero dizer
ao meio da poesia
quero dizer no meio

agora deste poema
aqui como é que vim
quero dizer agora
mesmo parar aqui

quero dizer no meio
sei lá de onde nem quando
e é como se tivesse
sei lá me embebedado

e não lembrasse quero
dizer nem lembro mesmo
agora onde nem quando
nem quanto é que bebi

se é que bebi sei lá
o que mesmo mas vim
quero dizer agora
sei lá se vim parar

quero mas essa dor de
cabeça que não passa
dizer aqui no meio
sei lá mesmo do quê?

(Três cores)

Há liberdade, mas não tente
sequer pôr em questão a crença
no Estado; igualdade é somente
pensar o que o vizinho pensa;
fraternidade é ter em mente
que nunca se mente na imprensa
local – e as cores do país
em pauta são: gris, gris e gris.

*Poemas do livro “Parte Alguma”, Companhia das Letras, 2005.