Regina Azevedo nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, no ano 2000. Poeta, publicou alguns livros de poemas, entre eles Pirueta (2017, selo doburro), Vermelho fogo (2021, independente) e Carcaça (2021, Munganga Edições). Integra a antologia As 29 poetas hoje (2021, Companhia das Letras), organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, e a Biblioteca Madrinha Lua, da editora Peirópolis, com o título “Lança chamas”, que reúne um apanhado de sua produção poética.

*
Sonhei que estava em nova york

e muda
sem saber dizer uma palavra
in english

eu era uma poeta brasileira

*
tenho vontade de cortar
as unhas e os cabelos
também já tive vontade
de abrir os pulsos
quebrar espelhos

sim, nós guardamos o grito
sim, não dormimos há meses
sim, os caminhões partem levando corpos

mas hoje eu tenho vontade
de botar um menino no mundo

ver no que dá

*
O nordeste
fica aqui
no avesso do mapa

*
eu nasci
dentro de uma rede azul
pregada no peito da minha mãe

no interior do interior
do interior
de canto nenhum

em uma casa
moldada pela chuva

aprendi
o que se ensina
às mulheres:

melhores horários
para ir à feira
para sair à rua
para voltar para casa

melhores sabores
preparos
tempos

quem é o dono da razão
quem são os donos da bola

*
cheia de lamúrias
ligo para um amigo
conto que acordo de madrugada
com o coração fazendo as malas
tenho medo de enlouquecer
digo que não como alface
há 4 meses
ele me consola e diz
que comeu 7 bolos de pote entre
quarta e domingo
e está jantando hambúrguer há 1 semana
mas hoje ainda não pediu

*
verifico várias vezes ao dia
os dias
na minha agenda
revejo várias vezes o relógio
da parede
do notebook
do celular
pergunto que horas são
mesmo enquanto olho
para o relógio de pulso
vidrada, virada
tenho medo de que os tempos mudem
e eu não fique sabendo

*
sonho que estou na festinha
de 7 ou 8 anos
da prima de uma amiga de infância
a menina parece um anjo e tem
os cabelos encaracolados
sobre os ombros dourados
uma casa gigante
uma mãe loiraça
(minha vizinha)
e sou adulta
e piro no deslumbre
vício nos beijinhos
não consigo parar
brigadeiros, doces, balas
vários de cada cor
de marshmallow
de pirulitos
de trufas
e confeitos de chocolate
a festa já acabou
todos já forma embora
e eu volto sozinha à casa
e à cozinha
de mulher
porque escaparam uns beijinhos
na lateral da escada
de robe, a mulher me flagra
me olha dos pés à cabeça
não lembro se fui convidada

*Poemas do livro “Brasil, uma Trégua”, Círculo de Poemas, 2023.