De todas, a deusa mais cruel

Pedicuro de Vargas, cronista bissexto,
suposto filho de Ogum, irmão de Zé Pelintra,
meu avô, da casta das ruas assimétricas,
cujo brasão é desenhado a creiom de cera.
Bigode ralo, terno branco e desgraça pouca,
tudo comido pelas margens;
fora delas, o sapato é macio, a cerveja não tarda
e a Lapa amanhece pelando. Ainda há o escuro,
tráfico de tudo, em que se gasta inteiro o salário:
maçãs, muitas maçãs para a caçula.
A caçula é minha mãe,

eu sou a foto de meu avô materno,
por desconcerto de século,
eu sou a foto de meu avô paterno,

no jornal, figura ilustre de São Pedro da Serra,
conhecedor de inúmeras alquimias,
qual colorir açúcar refinado e dar-lhe nomes
novos, de preços maiores. Meu avô,
inventor de orquídeas e fugas destrambelhadas,
inimigo mortal das instituições de ensino,
dos ônibus que levam crianças, dos arquivos.
Ermitão, filho de paredes artesanais, violonista
frustrado, empresário sem-sucesso
do ramo do escargô. Na fotografia do jornal,
a todo cinza envelhecida, a manchete diz
considerado meio maluco, pioneiro do fim do mundo.