Interpretação

Todos os segredos guardam verdades
do ser oculto que por trás sustenta
a opinião de quem consente e cala
na dedução de que planeja e pensa

Toda versão possui contradição
pois, ao certo, imparcial é a ferramenta
de ser normal, ser afinal,
não ser moral à consequência

Falácias nascem em correntes bocas
e crescem regadas às palavras sanas
que pingam acre em mil salivas

e saem claras e inefáveis
às artimanhas dos que sabem
traduzir a hipocrisia.

Eu Não Sei Mentir

O que eu conto
não conta.
Quando me calo
reclamo, declamo,
proclamo e te chamo.
Sussurros ao vento
dos frisos dos dentes
rangidos da boca fechada
pela falta que a raiva
prende as palavras.

Então, expõe-se o PALAVRÃO!
Boca de túmulo,
jaz dos insultos,
coçam, rasgam as gengivas,
secam as dobras da língua
que queriam, na verdade,
dizer a mentira.

E quando saem, porventura,
inóspita falácia,
meus olhos se rendem a dor das palavras
e entrego de bandeja
a vileza da minha honestidade,
a certeza do meu fracasso,
a mentira da minha verdade.

Natureza Morta

onde nada há
vive o milagre
e a sua sombra
atravessa vazia
o rastro de saudade
do que deveria
ter sido enquanto
nada mais é.

onde tudo tem
morre o segredo
e a luz mascara o medo
do que prende
por caminhos
resignados
e sem fé.

onde nascem vidas
sempre crescem sonhos
sejam de partidas
sejam despedidas
sejam quem somos.

onde criam acasos
aparece inefável
a esperada justiceira
da mais impávida certeza:

a hora inevitável
é a própria natureza.

Essência do Zelo

Colho, uma a uma, as pétalas mais
profundas do teu âmago,
onde brotam as sementes do calvário.
Tenho a sede e a fome dos que amam
sem a alma encarnada do passado.

Quebra o crânio e os ossos se esfarelam
num estrondo tão inócuo e sensível…
Saem as tripas e as vísceras rasgadas
desse corpo de decúbito suicídio.

Mas tu és o ser que aí estás e faz presente
na sombra cálida, perpétua e oculta,
dançando vil sobre os zelos de quem sofre

atrais das rosas, que florescem a própria cura,
e dos sonhos quando escolhem a flores murchas
de viver exalando a dor da morte.

Todos Iguais

Cada um da sua forma
Cada um de sua maneira
Todos fazem as mesmas coisas no final

Roda roto, meia-haste da bandeira,
Baixo o luto, réquiem da vida inteira,
Quiçá da luta d’outro honroso marginal.

Somos iguaizinhos às caretas do papai,
Até que a hora de enterrá-lo nos ensina:
Aos nossos filhos tentamos não ser mais
Os mesmos filhos que nós fomos nessa vida.

Todas as formas se unem num futuro
Quando a catarse é a hecatombe dos banais.
A vida eterna é o jaz que todo burro
Medra à morte inefável dos demais.

Nada mais nos tornam tão iguais
Quanto as formas finais de toda origem.
O ser humano faz as pazes com a paz
Sendo incapaz de acreditar no que decide.

A Certeza do Fim

No dia em que você perceber
a diferença entre perdoar
e voltar atrás,
será que suas desculpas
serão as mesmas?
Quando você notar
que para toda memória
há um lastro
marcados por azos da criação,
será que nossos passados,
por espasmos,
passarão?

Às vezes apenas me basta
uma palavra de conforto,
um abraço apertado
e sorriso do seu rosto…
Noutras tantas
perco-me a esses mesmos motivos,
e as dores zelam sacrifícios
entre coisas que nos tornam submersos.
Somos um agora de enleios,
defasados por lembranças repetidas
de um tempo desperdiçado pela vida
e enterrado sobre a luz do jaz eterno.

Planeta Solitário

No aconchego do planeta solitário
Debruço-me pelos vultos remirados
Dos quatro cantos
Dente raso e findo mundo.

As estrelas quando passam
Deixam lastros
Acompanhadas pelas luzes do passado
Caminhadas pelos azos do futuro.

Olhando para um céu de azul escasso
As nuvens que se formam por acaso,
Escoltam a imagem da clareza.

Ao olhar um turbilhão desabitado
Admito não poder estar errado
Em que pese a minha falta de certeza.

Palavra de Estimação

Todo poeta tem
sua palavra de estimação.
Às vezes mais de uma,
outras vezes, só algumas,
mas sempre tem sua palavra de estimação.
Como se fosse criada por ele,
cuidada a seus preceitos,
alimentada por suas metáforas
e que se encaixa perfeitamente
pelo fel de sua hipérbole,
rimando os motes finais
de qualquer ensejo.
Todo poeta tem sua palavra de estimação…
A minha?

– Segredo.

Inato

O mundo acaba,
as flores murcham,
a dor desaba,
a cor destoa,
o sol penumbra,,,
É tão vagabunda
a vagarosa
importância finita
que alvitra o dia,
seja num vento tangível
ou num achar impossível,
a maior pretensão
da vida.

E os anos passam,
e a terra devolve
e a água dissolve,
e seus frutos nos sorvem,
enquanto mais nascem,
enquanto mais morrem,
o nada mais que há
que a todos socorrem.

Começa, enfim,
o elaborado,
límpido e inato,
perfume das lágrimas.

Alma

Um tanto de um raro instante
De uma estante que guarda vento,
Um canto desse doce encanto
Do rastro santo desse momento.

Esplendor singelo da paz de agora,
Vozes imergem o orgulho atento,
Gritam pra fora o que se aflora
Na breve falta de um movimento.

Estática do pleno imo
Assisado fogo de um brio terno
São imagens do espelho turvo.

Retida as dores de um fel medonho
A sombra rouca que reflete sonho
De quem enxerga por trás de tudo.

*Poemas do livro “Palavras de Estimação”, (Multifoco Editora – 2017)

Sobre o Autor:

Igor Calazans Abreu nasceu em Niterói, Rio de Janeiro. Poeta, jornalista e produtor cultural, possui 5 livros publicados até o momento, além de destacadas participações em importantes antologias nacionais. “Palavras de Estimação” foi a sua segunda obra. Em 2020, alguns poemas desse livro foram escolhidos para serem estudados na coletânea “Poesia na Escola”, projeto educacional do Estado de Santa Catarina.