Mahmud Darwish ou Mahmoud Darwich, nasceu em  Al-Birweh, Palestina, a 13 de março de 1941. Considerado o poeta nacional da Palestina,  é autor da Declaração de Independência Palestina, escrita em 1988 e lida pelo líder palestino Iasser Arafat, quando declarou unilateralmente a criação do Estado Palestino. Venceu diversos prêmios e honrarias, entre eles o Prêmio Lenin da Paz (URSS, 1983); o Cavaleiro das Artes e das Letras (França, 1993); Prêmio do Fórum Internacional da Poesia Árabe (Egito, 2007) e o Prêmio Internacional Argana de Poesia (Marrocos, 2008).

Durante a guerra de 1948, a família Darwish refugiou-se no Líbano, permanecendo por lá durante um ano. Quando retornou, porém, a pequena vila já não existia, tal como outras 500 aldeias árabes que foram invadidas pelas tropas israelenses. Estabelece-se então na vila de Deir al-Asad, nas proximidades de Acre, área que havia sido capturada pelas forças de Israel. Ali, Darwish recebeu o ensino básico. Aos 19 anos, Darwish lançou o seu primeiro livro de poesia, Asafir bila ajniha (Pássaros sem asas). Depois passou a publicar poemas no periódico literário Al Jadid, ligado ao Partido Comunista de Israel, do qual acabou por se tornar editor. Mais tarde, tornou-se assistente de editor de Al Fajr, periódico literário do Partido dos Trabalhadores Unidos (Mapam). Em relação à sua obra, sua poética evoca a dor do deslocamento com paradoxos sutis. Seus poemas, traduzidos em mais de 20 idiomas, expressam, além da angústia do exílio, a Palestina como metáfora do “paraíso perdido”, de nascimento e ressurreição.

Entre 1961 e 1967, foi preso diversas vezes. Deixou Israel em 1970 para estudar na antiga União Soviética. Quando ingressou na OLP (Organização para a Libertação da Palestina) em 1973, foi proibido de entrar novamente em Israel. Só em 1995, foi-lhe concedida autorização de entrada em Israel, para assistir ao funeral de um amigo, o escritor Emile Habibi. Mahmoud Darwish faleceu no dia 09 de agosto de 2008, em Houston, Estados Unidos.

 

XI

Violinos

Violinos choram com os ciganos que se vão a Alandalus
Violinos choram pelos árabes que saem de Alandalus

Violinos choram por um tempo perdido que não volta
Violinos choram por uma pátria perdida que tem volta

Violinos incendeiam as matas de uma escuridão sem fronteiras
Violinos sangram os dentes farejando meu sangue nas veias

Violinos choram com os ciganos que se vão a Alandalus
Violinos choram pelos árabes que saem de Alandalus

Violinos são cavalos em cordas de miragem e água gemente
Violinos são campo de violetas selvagens ora perto ora distante

Violinos são animal fustigado por unha de mulher que o arranha e ele se afasta
Violinos são exército que ergue túmulos de mármore e alabastro

Violinos são o caos de um coração enlouquecido pelo vento do pé da dançarina
Violinos são bandos de pássaros que saltam de bandeira desaparecida

Violinos são queixas da seda enrugada na noite da apaixonada sozinha
Violinos são a voz de um vinho distante a cobrir um desejo antigo

Violinos me perseguem ali, aqui, para vingarem-se de mim
Violinos querem matar-me sempre e onde me virem

Violinos choram pelos árabes que saem de Alandalus
Violinos choram com os ciganos que se vão a Alandalus

2

… O homem branco não entenderá as palavras antigas
aqui, nas almas livres entre o céu e as árvores…
Colombo livre pode encontrar as Índias no mar que quiser
tem direito a chamar nossos vultos de pimenta ou índios
pode quebrar a bússola do mar para acertar o rumo
e corrigir os erros do vento norte, mas ele não pensa que os homens
são iguais, como o vento e a água, fora do domínio dos mapas,
que eles nascem como nascem as pessoas em Barcelona, embora
creiam no deus da natureza em todas as coisas… e que não adoram o ouro…
Colombo livre pode procurar uma língua que não encontrou aqui
e ouro nas caveiras de nossos bons avós… era dele afinal
tudo o que queria de nós mortos e vivos. Então
por que, de sua cova, persiste na guerra de extermínio até o fim?
De nós restam os ornamentos da ruína, alguma leve pluma
para recobrir os lagos. Sete milhões de corações arrancados bastam
para você retornar de nossa morte como um rei assentado no trono de novo tempo,
ou é hora já, estrangeiro, de nos encontrarmos como dois estranhos
num mesmo tempo e num mesmo país, na beira de um abismo?
Temos o que temos… e temos o que vocês têm do céu
vocês têm o que têm… e têm o que temos da água e do ar
Temos o que temos de pedra… vocês têm o que têm de ferro
vamos dividir a luz em pleno escuro, pegue o que quiser
da noite e deixe-nos um par de estrelas para enterrar nossos mortos no céu
pegue o que quiser do mar e deixe-nos duas ondas para pescarmos o peixe
pegue o ouro da terra e do sol e deixe-nos a terra de nossos nomes
e volte, estrangeiro, a seu povo… procure as Índias.

II

Como escrever
na nuvem?

Como escrever na nuvem o testamento de meu povo? Nossa gente
abandona o tempo como quem deixa um manto em casa e, toda vez
que alguém ergue um forte, outro o derruba e, em seu lugar, arma uma tenda
por saudade da palmeira original. Nossa gente trai nossa gente
nas guerras em defesa do sal. Mas Granada é feita de ouro
e da seda que as palavras bordam com amêndoas,
do alaúde arranca em lágrimas. Granada
sobe à alta cima de si mesma e é dela o que aspira a ser: saudade de
tudo o que passou e passará: a asa da andorinha
roça o seio da mulher na cama, e ela grita: Granada é meu corpo,
alguém perde a gazela nas estepes e grita: Granada é minha terra
e eu sou de lá… cante! para que o pássaro-de seda chegue ao céu
pelos degraus de minhas costelas, cante a bravura de quem escala a morte
a cada lua nos becos da amada, cante as aves do jardim
em cada uma de suas pedras. Amo-a, e tanto… você que me fragmentou

7

Mortos dormem nos quartos que vocês vão construir.
Mortos visitam seu passado nos lugares que vocês vão destruir.
Mortos passam em cima das pontes que vocês vão construir.
Mortos iluminam a noite das borboletas, mortos
chegam de surpresa para tomar um chá com vocês, vêm calmos
com os deixaram seus fuzis. E vocês, hóspedes do lugar,
deixem um lugar para seus anfitriões… vêm ditar
a vocês os termos da paz… com os mortos!

*Poemas do livro “Onze Astros”, editora Tabla, 2021.
Tradução de Michel Sleiman