José Inácio Vieira de Melo, nasceu em 16 de abril de 1968, no povoado de Olhos d’Água do Pai Mané ou simplesmente Pai Mané, município de Dois Riachos, Alagoas. Alagoano radicado na Bahia, é poeta, jornalista e produtor cultural. Publicou nove livros de poemas, dentre eles Sete (2015), Entre a estrada e a estrela (2017) e Garatujas Selvagens (2021). Participa de várias antologias no Brasil e no exterior. Coordenador e curador de vários eventos literários, como a Praça de Poesia e Cordel, na 9ª, 10ª e 11ª Bienal do Livro da Bahia (2009, 2011, 2013) e a Flipelô – Festa Literária Internacional do Pelourinho (2017 a 2022). É convidado, com frequência, para vários eventos por todo o Brasil e no exterior. Recebeu alguns prêmios, dentre eles o Prêmio O Capital 2005, com o livro A terceira Romaria, o Prêmio QUEM 2015, na categoria Literatura – Melhor Autor, com o livro Sete e o Prêmio Hilda Hilst da UBE/RJ 2021, com o livro Garatujas Selvagens. Tem poemas traduzidos para o alemão, árabe, espanhol, finlandês, francês, inglês e italiano.

VOZES SECAS

Pão, antes de ser palavras, é vontade de comer.
Pão é uma palavra que começa na fome.
E se pão houver, acaba-se a fome e o nome.

A seca bebeu todas as águas, a sede é grande.
A seca tomou conta de tudo.

O pão da minha terra está nas nuvens.
E eu tenho medo – o meu boi morreu.

A seca tem me tirado o fôlego.
A seca, às vezes, me dá vontade de desistir.

Ainda assim, persiste em mim a poesia
e essa vontade de inundar o mundo.

Aí eu monto em meu cavalo baio,
entro no mato e ascendo nos garranchos
e começo a soltar meus aboios
para espantar o medo para bem longe.

A seca de tudo é terrível!
Se você vacilar a poesia some.

OLHO-D’ÁGUA

Eu vejo por vozes que assuntam caminhos,
e este é o caminho dos pingos da chuva.
Quando choveres, talvez nos encontremos
nas tranças azuis dos oceanos
ou, quem sabem, rumo àquela poça
que ora é gota, ora espelho, nuvem.

CERCA DE PEDRA

Aqui, na Cerca de Pedra,
nesta noite caatingueira,
estou em silêncio, ouvindo
o silêncio das estrelas.

PINTURA RUPESTRE

Brusca vertigem que, ao ser vislumbrada,
cresce com cada lápide da santa
arquitetura – lápis da ciência
dos calendários cósmicos, marcando

dentro do coração os fevereiros
futuros. Fruto do vero carmim,
minha carne transgride transparências
concentrada na rosa e no jardim.

O silêncio que pinta a solidão
constrói pedras, passagens e paisagens
para dizer ao tempo suas cores,

como a figura dentro da amplidão
da caverna é a sombra da criança.
Ainda sinto os passos dessas formas.

AUSÊNCIA

Quebrar todo e qualquer cabresto,
romper a barreira da forma,
caminhar para além da palavra.

Agora, meu corpo é só palavra:
palavras que ferem, anestesiam
e não consigo prosseguir:

sequer tentar arriscar.
Tudo é uma enorme ausência
e resta apenas este poema.

FIAT LUX

Era uma vez o escuro,

e fez-se a luz,
a tênue luz de um candeeiro,

então questionei:
– Mal se divulga um vulto?

O candeeiro flamejou:
– Para quem está no breu
qualquer lampejo é alumbramento.

*Poemas do livro “O Galope de Ulisses”, Editora Patuá, 2014.