Zhao Zhenkai, mais conhecido pelo pseudônimo Bei Dao, nasceu Pequim, na China, a 2 de agosto de 1949. Um dos escritores chineses mais aclamados de sua geração, é frequentemente visto como um forte candidato ao Prêmio Nobel de Literatura. Conhecido como um dissidente, ele é um dos principais representante de uma escola de poesia denominada no Ocidente como “Mística” ou “Obscura”. Além de poeta, também é autor de contos, ensaios e livros de memórias.

Durante a juventude, Bei Dao serviu a Guarda Vermelha chinesa. Porém, desiludido com a Revolução Cultural, tornou-se ferrenho opositor do governo, participando de ações como o Incidente da Praça da Paz Celestial de 1976 e co-fundando o jornal literário, chamado Jintian (“Hoje”), que chegou a ser censurado no país. Depois que sua poesia e ativismo serviram de inspiração para outros protestos, como o da Praça Tiananmen em 1989, Bei Dao foi banido da China e entrou em um período de exílio no Ocidente, até se estabelecer nos Estados Unidos, onde, em 2009, ganhou cidadania. Em 2006, ele foi autorizado a retornar à China continental, mas não o fez, exceto para breves visitas.

Em relação à poesia, Bei Dao tem desempenhado um papel significativo na criação de uma nova forma de linguagem poética na literatura chinesa, que é frequentemente vista como uma reação às críticas artísticas da era Mao. Em particular, sua obra é conhecida pelas experimentações, trazendo, principalmente em paradoxos, as suas percepções sobre as individualidades humanas. Atualmente, Bei Dao reside em Hong Kong, onde é Professor Honorário de Humanidades na Universidade Chinesa de Hong Kong.

Mapa negro

Ao cabo, corvos frios juntam
a noite: um mapa negro
voltei para casa – pelo caminho avesso
mais longo do que o errado
longo como a vida

traga o coração do inverno
quando a água mineral e as anfetaminas
tornam-se as palavras da noite
quando a memória late
um arco-íris assombra um mercado negro

meu pai, vida-faísca: mínima como um grão
sou seu eco
virando a esquina dos encontros
uma ex-amante esconde-se numa
lufada de cartas revoltas

Pequim, deixe-me erguer
um brinda às suas luzes
deixe que meu cabelo branco aponte
o caminho pelo mapa negro
como se uma tormenta a fizesse voar
espero na fila até que a pequena janela
se feche: Ó o brilho da lua
voltei para casa – reuniões
significam menos do que adeuses
ao menos

Sem título

A paisagem riscada com uma caneta
reaparece aqui

O que digo sobre ela não é retórica
em outubro sobre a retórica
o vôo é visível em toda parte
e o batedor de uniforme preto
levanta-se, agarra o mundo
e o reduz a um grito

Opulência transforma-se em dilúvio
um rasgo de luz expande-se
numa experiência congelada
e quando estou sentado no meio do campo
como falsa testemunha
soldados de neve removem seus disfarces
e tornam-se linguagem

Colega

este livro, pesado como âncora
afunda entre as interpretações dos sobreviventes
seu rosto como um relógio na praia distante
dialogar é impossível
palavras que flutuaram no mar toda a noite
súbito decolam pela manhã

uma gargalhada cai numa tigela vazia
o sol percorre o gancho de um açougueiro
o ônibus do primeiro horário vai
ao correio no final dos campos
em variações de verde
o Rei do Adeus

o relâmpago, carteiro da tempestade
perde-se além dos dias floridos
sigo-te como uma sombra
da classe ao pátio
sob o crescer rápido dos álamos
me torno mínimo, cada um sangue seu caminho

Ramalá

Em Ramalá
os antigos jogam xadrez no céu estrelado
o fim de jogo move
uma ave imóvel num relógio
salta para dizer as horas

Em Ramalá
o sol sobre o muro como um velho
e segue pelo mercado
aberto espelhando-se aceso
numa placa de cobre oxidado

Em Ramalá
os deuses bebem água de um jarro de terra
um arco indaga de uma corda sobre as rotas
um garoto de prepara para herdar o oceano
da margem do céu

Em Ramalá
a morte lança sementes no zênite
a morte floresce defronte minha janela
árvores duras revelam
a forma violenta, original de um tornado

A rosa do tempo

Quando o vigia dorme
você volta com a tempestade
envelhecer concorde é
a rosa do tempo

quando as rotas dos pássaros definem o céu
você olha para trás, para o pôr do sol
emergir apagando-se é
a rosa do tempo

quando a faca adquire na água forma curva
você cruza a ponte, pisando em canções de flauta
gritar na conspiração é
a rosa do tempo

quando uma caneta desenha o horizonte
você é desperto por um gongo do Este
florescer em ecos é
a rosa do tempo

no espelho há sempre este momento
e ele conduz para a porta do reanimar-se
a porta abre-se para o mar
a rosa do tempo

A meu pai

numa fria manhã de fevereiro
a tristeza, ao cabo, tem o tamanho dos carvalhos
pai, ante teu retrato
a rosa dos ventos mantém-se serena como a mesa

desde os ângulos da infância
sempre vi tuas costas
enquanto pastoreavas nuvens e ovelhas negras
pela estrada rumo ao imperador

um vento eloqüente traz inundações
a lógica dos becos se entranha nos corações das gentes
teu chamado torna-me filho
eu seguir-te torna-te pai

o destino que percorre a palma da mão
leva o sol a lua as estrelas ao movimento
sob única e masculina candeia
todas as coisas têm sombras aos pares

os braços fraternos do relógio lutam para formar
um ângulo agudo, depois se fazem um só
o lampejo enfermo ressoa no hospital da noite
e golpeia tua porta

a madrugada surge feito um palhaço
a chama troca os lençóis por ti
e onde o relógio pára
a seta do tempo passa sibilando

peguemos o carro da morte
vereda da primavera, um ladrão
procura tesouros nas montanhas
um rio cinge o pesar da cantiga

slogans se escondem nas paredes
nada muda muito no mundo:
a mulher faz a volta e adentra a noite
de manhã um homem se afasta

*Poemas do livro “Um Barco Remenda o Mar – 10 Poetas Chineses Contemporâneo”, Editora Martins Fontes, 2007. Traduções de Yao Feng, Régis Bonvicino e Maria do Carmo Zanini