Maria Helena Castro Azevedo nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1953. Poeta, Graduada em História pela UFF, e Mestre em Letras pela PUC – Rio, tem um trabalho consistente sobre o primeiro modernismo brasileiro, na passagem do século XIX para o XX. Aprofundando o cruzamento entre a literatura e a história, concentrou-se na biografia de um literato, Graça Aranha. A tese, intitulada “Um jóquei no seu cavalo. Uma biografia de Graça Aranha”, foi defendida em agosto de 1997, na PUC – Rio. Publicou em 2008 o livro Uma hora por dia, pela Editora 7Letras.
advento
e tanto de nossa vida escorregou
interminavelmente
como a areia na ampulheta
revirada escoando novamente
cada grão – serão sempre os mesmos? –
não é que não sabemos
o que eles são o que seremos.
o estrangeiro
1. novamente esse rapaz louro que
parece uma menina.
dessa vez sonhei também com beijos
na boca e abraços.
não acontece de encontrá-lo na rua,
casualmente.
tinha a boca úmida, carnuda,
como não parece que tem.
o impulso é falar-lhe em outra
língua, ensaio frases na cabeça,
misturando as línguas.
aliás, o beijo do sonho foi sem.
2. esse rapaz parece feito para ser olhado
e fala coisas como o exterior
é a face do pensamento visto
do lado de fora.
talvez tão somente
o imã azul com que devolve
o olhar castanho em volta.
Exame de consciência
Só deveria falar quem tivesse alguma coisa a dizer.
Humildes verdades relativas.
Os marcos de um caminho, nas trevas envolventes.
Pontos de referência no meio do caos.
Um ponto de vista sobre a vida.
Um livro inteiramente sincero, livre.
E a coragem falta.
E, todavia, sentimos
que não podemos parar de escrever.
quarta, vinte cinco de maio, dez e meia da noite.
atingir a pureza de uma frase de Babel
que em poucas palavras
apanha a verdade
como a ave um grão de milho
em meio à confusão.*
porque a jornada foi longa e seu sumo é o perdão.
apocalipse
escrever o que dizem os pobres, os jovens e os malucos
recém-egressos.
de um modo que faça o óbvio tornar-se evidente e a
evidência mostrar-se verdadeira.
de frente pro aberto futuro incerto virá brutamontes.
alguma coisa que eu não saiba, que você não saiba dizer
exatamente.
de fora de leve das castas condecorosas,
onde aperta a palavra final, metida a besta.
céus e mundos
o que vier que venha
uns dias tem de chuva
outros dias são de sol
quem não aprende
se não voa acompanha.
tá no rol de tudo
no qual tá escrito rosa
cão rua água sombra
etc, imagina
o que não aprende inventa.
*Poemas do livro “Uma hora por dia”, Editora 7Letras, 2008.