Valerio Magrelli nasceu em 10 de janeiro de 1957, em Roma, Itália. Formado em filosofia pela Universidade de Roma e especialista em literatura francesa, é uma das vozes mais representativas do seu país, principalmente quando são abordados temas mais complexos do mundo contemporâneo. Muitas vezes polemista, levantando questões políticas, sociais e econômicas, a obra de Magrelli apresenta caráter “antipoético”, com uma poesia repleta de sarcasmos e ironias, mas que ao mesmo tempo se preocupa com a simplicidade da mensagem.

Bolsa

Os mil turbos (o órgão
dos títulos cortados)
não tocam para nós,
mas sim para os fiéis
ajoelhados no templo:
harmonia das esferas na Piazza Affari
— e o sopro da morte.
O sopro da morte e da mercadoria,
ao longo da interminável cordilheira de merda
que Sísifo vai acumulando.

Código de barras

Honremos o altíssimo vexilo
que ondeia no reino da coisa
a alma criptográfica do preço
rosa do nome e nome da rosa
maço de talos, feixe
de tendões e veias
— pulso
para auscultar
a pulsação do dinheiro

Jogos: Rébus

É um mundo sem tempo
e sem vento.
Tudo está parado
e fadigosamente significa.
Enorme é a fadiga do significar
nesse canteiro do sentido.
Cada palavra é um empedramento
de letras e figuras.
Tudo pesa.

O poema

Os poemas devem ser sempre relidos,
lidos, relidos, lidos, postos para carregar;
cada leitura efetua a recarga,
são aparelhos para recarregar sentido;
e o sentido aí se acumula, zunido
de partículas à espera,
suspiros retidos, tinidos,
de dentro do Cavalo de Troia.

*

Amo os gestos imprecisos,
quem tropeça, quem
deixa cair um copo,
não lembra,
é desatento, a sentinela
que não sabe deter a pulsação
breve das pálpebras,
têm lugar em meu coração
porque vejo neles o tremor,
o tinido familiar
do mecanismo quebrado.
O objeto intacto silencia, não tem voz
mas somente movimento. Aqui não,
o dispositivo cedeu,
o jogo das partes,
uma peça se separa,
se anuncia,
dentro alguma coisa dança.

*

Estava num leito de ambulatório,
escondido atrás de um biombo.
“Antígona”, “Sim”, “Estás aqui?”, “Sim, aqui”.
As vértebras, as vértebras.
E começam a conversar entre si,
dois velhos, duas vozes de velhos.
Porque uma voz envelhece,
até no som está o osso do tempo
até no fôlego. Sopravam, e havia
dentro um eco da própria voz,
um eco que antecedia a pronúncia.
Algo destroçado e desengonçado, o miolo
desenfiado da espinha dorsal e
descingido como uma espada cintilante
voz-carcaça
vértebra da voz.

*Poema do livro “66 POEMAS”, Rafael Copetti Editor, 2019.
Tradução de Patrícia Peterle e Lucia Wataghin