Antonio Colinas Lobato nasceu na região de La Bañeza, León, na Espanha, a 30 de janeiro de 1946. Poeta, romancista, tradutor e ensaísta, é um dos escritores mais premiados de sua geração no país. Venceu o Prêmio Nacional de Literatura da Espanha, em 1982, entre várias honrarias. As suas primeiras publicações são de 1969 e pertencem ao gênero lírico: “Poemas de la tierra y de la sangre” e “Preludios a una noche total”. Entre as suas traduções, encontram-se as obras dos poetas italianos Giacomo Leopardi e Salvatore Quasimodo. Colaborou na imprensa, publicando em jornais como o El País, ABC e El Mundo, e revistas como a Revista de Occidente e Cuadernos Hispanoamericanos. 

A Noite dos Rouxinóis Africanos

A alma caiu no poço da noite
e de baixo, do mais profundo,
vê a lua de junho amadurecer
na brisa, que traz loucos
cantos de rouxinóis africanos.

Poema da Beleza Cativa que Perdi

Pequena dos meus sonhos, por tua pele as pombas,
a pálida presença da lua na floresta
ou a neve recém-caída dos astros.
por essa pele sem mácula, por sua suavidade lisa,
troncou colunas firmes, derrubei o teto
da noite mais alta: a de meus sonhos puros.
Pão do amanhecer, teu pescoço branco, testa,
ossos queridos, veia, venero nobre…
Aqui tenho os braços abertos como um rio,
as veias descansadas, todo o amor do mundo
disposto a consumir-se em um beijo glorioso.
Minha pequena, amada, não esqueças que por ti,
uma noite de julho, esqueci a aventura
de sair em busca da beleza cativa.

Inverno Tardio

Não é incrível o que meus olhos veem:
neva sobre o amendoeira florida,
neva sobre a neve.
Este inverno meu ânimo
é como uma primavera precoce,
é como um amendoeira florida
sob a neve.

Está frio demais
esta tarde no mundo.
Mas eu abro a porta para o meu cachorro
e com ele entra o calor em casa,
entra a humanidade.

A Prova

Olha: estás prestes a penetrar na floresta.
Vai deixar a casa branca do topo,
tão pacífica, tão cheia de música e sossego,
e ali te espera a floresta impenetrável.

Inevitavelmente, terás que atravessá-la:
a floresta que desce por encosta escarpada,
a floresta onde não há ninguém
e a floresta onde pode haver de tudo,
a floresta de humidades venenosas,
morada do negro
e de uma luz que turva o olhar,

Entra nela com cuidado e sai sem pressa,
mas nunca te ocorre abandonar o caminho
que desce e desce e desce.
Olha bastante para cima e não te esqueças
de que este nosso tempo vai passando
como a foice pelo trigo.

Lá em cima, nos ramos,
não há luzes que te ceguem se for de dia.
E se fosse de noite,
a escuridão mais profunda é cortada por certos faróis.
Tudo o que está acima sempre guia.

Olha, a floresta impenetrável te espera.
Lembra-te que o caminho que a atravessa
— o caminho como rio que te leva —
deve ser um curso suave e não uma jiboia pegajosa
que rasteja e se perde na teia.
Que te guie a música que deixas —
a música que é número e medida —
e que a mais alta música te leve
ao fim, após dura prova, ao mar de luz.

Litania do Cego que Vê

Que este pão celeste do firmamento
me alimente até o último suspiro.
Que estes campos tão ferozes e tão puros
me sejam bons, a cada dia mais bons.
Que se em tempo de verão minhas mãos se acenderem
com cardos, com urtigas, que ao chegar o inverno
as sinta como geada no meu telhado.

Que quando parecer que caí,
pois me derrubaram,
apenas esteja ajoelhado no meu centro.
Que se alguém me bate forte demais
apenas sinta a brisa do pinhal, o murmúrio
da fonte serena.

Que se a vida é um acabar,
como uma veleta, rangendo no mais alto,
lá em cima me acalme para sempre,
se dissolva meu ferro no azul.

Que se alguém, de repente, veio arrancar
tudo que semeei e plantei chorando às nuvens,
me torne em nuvem eu, me torne em planta,
que sejam ainda sementes meus dois olhos
nos olhos sem lágrimas do cachorro.

Que se há doença sirva para curar-me,
seja apenas o início do meu renascimento.
Que se o beijo e parece que o lábio sabe a morte,
amor vença a morte nesse beijo.
Que se entrego minha mente e detenho meus passos,
que se fecho a boca para te dizer tudo,
e deixo de tocar tua carne já semeada,
que se fecho os olhos e venço sem lutar
(vitória na qual nada sou nem obtenho),
te tenha a ti, silêncio do cume,
ou aquele sol abatido que é a neve,
onde o nada é tudo.

Que respirar em paz a música não ouvida
seja meu último desejo, pois saibam
que, para quem respira
em paz, já todo o mundo
está dentro dele e nele respira.

Que se insiste a morte,
que se avança a idade, e tudo e todos
ao meu redor parecem estar indo embora depressa,
que o mundo me vença ao fim nessa luz
que relampeja.
E seu fogo vá me desmanchando como chama
de vela: com doçura, devagar, muito devagar,
como giram acima extasiados os planetas.