Ruy Alberto d’Assis Espinheira Filho nasceu a 12 de dezembro de 1942, em Salvador, Bahia. Poeta, jornalista, Mestre em Ciências Sociais e Doutor em Letras, é membro da Academia de Letras da Bahia. Iniciou sua trajetória na poesia nos anos 60, publicando poemas na revista “Serial”, criada pelo poeta Antonio Brasileiro. Publicou mais de 20 livros entre poemas, ficção e ensaios. Lançou ainda o CD “Poemas”, gravado pelo próprio autor, com 48 textos extraídos de seus livros, além de alguns inéditos, em 2001. Algumas de suas obras foram incluídas antologias de outros países, como Portugal, Itália, França, Espanha e Estados Unidos. Convidado pela Fundação Biblioteca Nacional, representou o Brasil na Feira do Livro de Frankfurt, em 2007, e fez parte da Comissão Julgadora do Prêmio Camões de 2008.

SONETO DO VENTO

O que sabemos mesmo sobre o vento
em que nós respiramos nossa vida
(que se é nossa também se faz perdida
nos labirintos de cada momento)?

Às vezes fúria, às vezes sonolento,
vai nos soprando a alma encanecida
pelas vasta distância percorrida
em campos de alegria ou desalento.

Ou, às vezes, somente escuridão…
Tantas idades há no coração…
E, em todas elas, muito a recordar

de dor e amor, que é assim que a vida é:
um conto que se vai contando até
onde, por fim, o vento nos deixar.

SONETO DO RETORNO

Às vezes, despertamos vindo de eras
perdidas, de uns farrapos de quimeras
envoltas em silêncio, adormecidas
num horizonte de memórias idas

das venturas que tanto desejamos
e em sua busca partimos e velamos
noites sem fim. O sonho, ali, tão perto,
mas o caminho é longo, e é tudo incerto…

Despertamos. Também amanhecidas
as quimeras. Não mais sombras perdidas:
voltam além do sono às nossas vidas

e abraçam nossas almas doloridas,
reconduzindo-as aos antigos portos
para acordar no mar dos sonhos mortos.

SONETO DAS LIÇOES

Com a brisa comparo a tua lembrança.
Às vezes, pois também com temporal
noutras memórias. Entre o bem e o mal
ilumina o céu, antes da dança

implacável que apaga o dia que avança,
instala a noite. Não sabemos qual
seja a tua natureza, e o que afinal,
aguarda-nos, amor? Desesperança?

Quantas auroras em nós incendiaste?
Quantos ocasos frios tu enviaste?
Fui aos poucos, buscando te entender:

E hoje, sim, bem consigo compreender
– e te agradeço porque me ensinaste
tantas maneiras belas de morrer.

3 NOTAS SOBRE O TEMPO

Velho companheiro
que esteve comigo sempre
como agora.
Não ainda por muito mais
certamente
pois tanto já o desgastaram
os relógios.

Um rio correndo.
Um barco descendo por esse rio.
Sonhos à deriva nessa pétala
flutuante.
De que o Tempo enfuna as velas
que um dia esquecerá
murchas
nos esqueletos dos mastros.

O Tempo.
Que esteve comigo sempre
como agora e talvez
mais um pouco
ao menos um pouco
permitindo-me cumprimentá-lo
até amanhã.

DIA PRIMEIRO

Neste primeiro dia do ano sente-se
um tanto vazio,
principalmente
de certas levezas e iluminações outrora recebidas
como dons liberados por descuido
dos deuses.

E os anos vieram após os anos…

Ele se olha no espelho e pensa que,
seja como for, é novamente
primeiro dia do ano.
Depois, sim, depois,
será o que for.

O que ainda é um mistério…

Mas, pelo menos de uma coisa pode estar certo:
a cada vez
vai poder ver mais claramente,
no espelho,
o rosto do seu
fantasma.

A INVENÇÃO DA POESIA

Vai-se encantando na Vida
que com sua alma clareia
das Manhãs até as suaves
carícias da Lua Cheia.

É um Menino que desperta
e o Mistério vem sonhando.
Logo que entreabre os olhos
é um Passarinho voando.

Às vezes mais uma Nuvem
em que se esconde um Dragão.
Ou Veleiro de Altos Ventos
navegando na Amplidão.

Sonha o Mar que lhe mostraram
num gesto amplo. O Mar. O Mar
que logo lembrou-lhe o céu.
O Mar de nunca acabar…

Que lhe disseram das Fadas?
Existiam pequeninas,
E até um pouco maiores
disfarçadas de Meninas…

Muitas as Faces de Tudo.
E esplendentes. Mas Destino
é a mais bela e que sussurra
suas Canções ao Menino

e com a Poesia vai
num tom cálido e profundo
embalando o que será
mais um Poeta no Mundo…

*Poemas do livro “a invenção da poesia & outros poemas”, Editora Record, 2023.
*FOTO DE VINÍCIUS XAVIER