Frank Siera nasceu em Katwijk, na Holanda, em 1989. Poeta, dramaturgo e diretor, suas obras são inspiradas em histórias reais do cotidiano, aliadas a uma abordagem filosófica. Em 2016 recebeu o prêmio Fresh Text de melhor peça, por Ongerijmd (Sem Rima).

1.

.      o silêncio
.      que lentamente
.      com uma lentidão exasperante
.      escoa entre tuas omoplatas
.      até a base das tuas costas
.      pelo teu rego
.      o silêncio que escorrega entre teus dedos
.      como se você o conhecesse da ponta dos teus dedos
.      o silêncio que engole tua língua
.      mas torna teu gosto
.      mais afiado
.      mais sensível
.      perfeito
.      o silêncio dentro do teu corpo
eu sei melhor me silenciar do que me calar
eu não mastigo minhas palavras
eu prefiro falar com tagarelas
que com águas paradas
eu não tenho medo de silêncios

19.

eu sei melhor me silenciar do que me calar
björn o açougueiro
eu não mastigo minhas palavras
eu prefiro falar com os tagarelas
do que com águas paradas
eu não tenho medo dos silêncios
eu tenho medo do que é calado
daquilo que não é dito
se calar é sempre sinal de má consciência
alguma coisa que a gente dissimula
não está destinada a ver o dia
e o que não é destinado a ver o dia
nunca é saudável
só pode fermentar
permanecer latente
arranhar

20.

.    os gêmeos bolam um plano
.    bater a cabeça dele impiedosamente contra a parede
eles enviam cartas ao pai
.    cartas anônimas
não cartas de amor
.    não palavras de conforto
.    pomadas
.    curativos
sábias palavras
um oráculo via correio
.   eles começam de uma maneira inocente
com provérbios previsíveis
.  mas que chegam sempre no momento certo
.  quando ele mais precisa deles
.        não palavras mas ato
.        belas palavras não servem para nada
.        seja um homem de palavra
nada de sensacional
mas o timing
o anonimato
a magia dessas simples palavras sobre uma folha de papel
atingem seu alvo
.  como um horóscopo
mas menos vago
.  essas palavras sem dúvida alguma falam dele
tão pessoais e certeiras
que o deixam feliz a cada vez
.  ele espera essas cartas
deseja essas cartas
.  começa a aplicar seus conselhos
uma linha de conduta
.  um suporte

30.

e de repente
eu me dou conta que se calar se tornou normal
o fato de não dizer nada
o silêncio que nunca deveria se chamar silêncio
que o contato se espalhe entre nós como um grande espaço
vazio
não se trata do silêncio de ouro
de meia palavra basta
esse silêncio coloca sal nas nossas feridas
o silêncio que apesar de si mesmo grita
urra
cospe
ofega
divaga
mas não consegue se fazer ouvir
é o tipo de silêncio que penetra por debaixo das unhas
que se enrosca sob tua pele
remói sangra e machuca
um silenciar que luta com o silêncio

32.

.   depois de duas mordidas nos docinhos do enterro
.   e uma olhada rápida nas dálias
essas lindas dálias
.  não sem antes olhar mais uma vez para ela
.  uma troca de olhares
.  mas olhos que não se encontram
não sem antes dar uma última olhada na última carta
.  ele sai
.  no seu terno de três peças
com gravata combinando
e sapatos sociais sob medida
um terno luxuoso
.  e desaparece debaixo d’água

*Poemas do livro “Ressaca de Palavras”, Editora Cobogó, 2022.
Tradução de Cris Larin