Renato de Azevedo Rezende Neto, nasceu em São Paulo, a 8 de Abril de 1964. Poeta, artista visual, crítico literário, teórico da arte, curador independente, tradutor e editor-chefe da editora Circuito, venceu o Prêmio “Alphonsus de Guimaraens” da Fundação Biblioteca Nacional, em 2005, com o livro “Ímpar”.


]Corpo[

Partindo do princípio, eu desisto
dos meus pés, e subindo
eu desisto das minhas pernas.

Elas latejam e me fazem sentir vivo,
mas eu não quero mais me sentir vivo.

Ao cortar o pau, prender nele uma pedra
até que penda para sempre, eu só penso
no olhos de todas aquelas mulheres.

Eu entrego
ao fogo o mel dos olhos.

As emoções,
eu desisto delas todas, o coração limpo
ou não, eu desisto do coração, do umbigo
que me ligou à minha mãe, eu desisto da minha mãe

e de todas as palavras que usei
quando compreendi que era alguém, desisto de ser alguém

para ser oco, novo, fogo, ouro:

UM CORPO DEVORA O OUTRO

Dejetos

O homem pensa, fala, e se é algo
é pela palavra.
Mas o SOLTO é mudo.
Todo esse esforço de linguagem:
mais próximo da página
do que supúnhamos.

Salto
da linguagem:
não-falo.

Como o fogo deixa cinzas,
deixo estes versos.

A poesia: dejetos.

Sem amarras

O amor se faz, entre lágrimas e beijos, mas o gozo
muito intenso surpreende, tem tal força
que é bem mais que a triunfante satisfação
da expectativa dos nossos desejos, dispensa
paradoxalmente a presença da amada, o rosto
delicado e adorado, o corpo com suas bocas
adoradas, olhos, membros, beijos e abraços.
Eu não acreditava, mas agora
o outro deixa de ser, estou só, e o amor voa solto
finalmente sem asas ou amarras.

Outros dias

Eu sou melhor amigo para mim mesmo.
Os dias passam, e esse fluir, lento,
que se espraia, e se abre, e quase pára
é a via que vai me tirar daqui.
De vez em quando escrevo um poema.

Dasein 04.02.05

Acordo durante a noite para urinar e envolto em manchas de
luz azul percebo que o amor constante, livre de qualquer dor
ou preocupação, é possível e, na verdade, a verdadeira realidade.
Volto para a cama me perguntando quando vou despertar deste
sonho, deste nível de existência diversificada, e enfim penetrar
na realidade real, a realidade azul do ser – quando atravessarei
a fronteira e começarei a existir de fato?

*Poemas do livro “Ímpar”, Editora Lamparina, 2005.