Jamil Miguel Damous Filho nasceu em Turiaçu, no Maranhão, a 7 de setembro de 1953. Poeta, compositor, jornalista e publicitário, tem diversas canções, principalmente em parceira com o músico Nilson Chaves. Poeta de fino trato com as palavras, a ironia e uma sensibilidade aguçada foram duas das marcas essenciais de sua obra poética. Jamil Damous faleceu no dia 17 de março de 2016, aos 62 anos, no Rio de Janeiro.
o sentido da vida
Ao acordar
– 8,40 nesta manhã de domingo –
descubro que a vida não tem sentido.
Mas o dia segue seu curso
e logo desconfio
que ela só não tem sentido
para mim,
não para esse passarinho
que canta com tanto entusiasmo
lá fora,
na clara e fresca manhã.
os grilos
A tarde é uma folha em branco
onde todos os poemas
poderiam ser escritos.
No entanto,
este silêncio,
este branco silêncio
onde só os grilos
cri-
criam
sua indecifrável
poesia.
outdoor
O ipê amarelo
anuncia a beleza do mundo.
Outdoor na Praça da Igreja,
quer que eu tome conhecimento
da primavera.
Quer vender,
pelo preço promocional de um minuto de atenção,
a ideia de que a vida é bela
e viver vale a pena.
Sem texto algum,
na limpidez de sua imagem única e múltipla,
o ipê amarelo,
emoldurado pelo azul de setembro,
quer me convencer de que Deus existe.
Sabe que faço parte do seu público-alvo.
Me atinge em cheio
e, por um tempo ínfimo mas ínfimo,
me conquista.
o que o homem aprendeu com a guerra
(em parceria com João Miguel, 8 anos, para um trabalho escolar)
Um dia o homem descobriu que um osso
podia virar um porrete
e um galho de árvore
uma lança.
E inventou a guerra.
E começou a fabricar as armas
para a guerra.
E descobriu que as armas da guerra
podiam servir para a paz. Para guerrear,
o homem um dia fabricou a pólvora
e, mais tarde, a dinamite.
E descobriu que os explosivos que podiam matar
também podiam construir estradas
e extrair montanhas
pedras para construir suas casas.
O homem continuou aprendendo a fabricar
muitas coisas para a guerra.
Aviões que lançavam bombas, mas que também
o levavam para perto de pessoas amadas.
A energia do átomo que destruía cidades
mas que também gerava luz
que iluminava o seu lar.
O homem já aprendeu muitas coisas com a guerra.
Com a guerra,
o homem só não aprendeu ainda
a fabricar
a paz.
o dia nasceu rubro
O dia nasce rubro
pros rumos de Botafogo.
O Pão de Açúcar é um presente
que meus olhos desembrulharam
ainda cobertos de nuvens.
Na encosta do morro
os passarinhos cantam
obstinados
sua presença no mundo.
Logo estarão – estaremos –
vencidos pela manhã ruidosa.
tempo
Tempo de tempo ter,
não tempo de tempo dar.
Tempo vivido, não ido,
lido, sentido, vital.
Tempo que tenho tido,
tempo vivo, temporal.
É esse o tempo que eu quero
pulsando vivo no vidro
da ampulheta, clepsidra
ou relógio digital.
Pulsando vivo no vídeo,
pulsando vivo na vida
seu tempo vivo, animal.
Tempo de novos projetos,
todos urgentes, mas quietos,
em que a poesia dance
aos dados de um outro lance,
em que a poesia marque
o ritmo de um outro tic,
o tempo de um outro tac.
*Poemas do livro “o rei do vento”, Editora UFPA, 2014.