Gwendolyn B. Bennett nasceu a 8 de julho de 1902, em Giddings, Texas, Estados Unidos. Foi Poeta, escritora, artista e jornalista, que narrou os avanços culturais durante o período de “Renascença” do Harlem. Apesar de muito reservada, ficou nacionalmente conhecida por ser uma forte influenciadora dos direitos das mulheres afro-americanas, explorando temas como as dinâmicas de gênero, raça, classe e relacionamentos inter-raciais, sendo responsável para que muitos afro-americanos chegassem a uma maior identificação e a aceitação de suas origens. Gwendolyn B. Bennett faleceu no dia 30 de maio de 1981, aos 78 anos, em Reading, Pensilvânia, Estados Unidos.
Ódio
Eu vou te odiar
Como um dardo de aço cantante
Atirado pelo ar tranquilo
No entardecer.
Ou solenemente
Com a sobriedade dos pinheiros
Que estão inscritos
no céu.
Te odiar será um jogo
Jogado com mãos frias
E dedos finos.
O teu coração ansiará
Pelo esplendor solitário
Do pinheiro;
Enquanto incêndios reavivados
Nos meus olhos
Te ferirão como flechas rápidas.
A memória vai colocar as mãos
No teu peito
E você entenderá
O meu ódio.
Herança
Quero ver as palmeiras formosas,
Esticando-se até as nuvens
Com dedinhos pontiagudos…
Quero ver meninas negras graciosas,
Um negrume gravado no céu
Enquanto o pôr do sol perdura.
Quero ouvir as areias silenciosas,
Cantando para a lua
Diante da face imóvel da Esfinge…
Quero ouvir o canto
Ao redor de uma fogueira pagã
De uma misteriosa raça negra.
Quero respirar a flor de lótus,
Suspirando para as estrelas
Com suas ramificações bebendo no Nilo…
Quero sentir a expansão
Da alma do meu povo triste
Escondida por um sorriso de menestrel.
Para uma menina negra
Eu te amo por sua negritude,
E pela escuridão arredondada do teu seio,
Eu te amo pela tristeza quebradiça na tua voz
E pelas sombras onde repousam tuas pálpebras rebeldes.
Alga de rainhas há muito tempo esquecidas
Se esconde no gracioso abandono do teu andar
E algo de escravizado acorrentado
Soluça no ritmo do teu falar.
Oh, menininha negra, nascida para ser companheira da tristeza,
Preserve toda a sua majestade
Esqueça o passado sem liberdade
E deixe seus lábios carnudos rirem na cara da Sentença!
Eu construo a América
Eu construo a América –
Tijolo sobre tijolo rebocado,
E em cada um eu coloco
O coração de todos os meus irmãos,
Mortos de uma costa a outra
Misturados com cascalho e cimento
E areia, transformo os ossos pulverizados
De todos os mortos
Que jazem do Canadá
Até o cálido Golfo do México.
Eu sou morto,
Construindo a América.
Morri em um forno de fundição
Derretido de modo brilhante e incandescente, eu,
Para fazer uma ponte ou um trilho cantante;
Meu corpo voou alado
Pelas paredes da grande represa
Que mantém um curso d’água em controle constante;
Eu sou o solo fértil,
Espalhado sobre a Flórida castigada por tempestades,
Onde eu, mil fortes,
Empilhada contra um dia de luto;
É o meu último suspiro
Que passa por aquele carvão em chamas,
Extraído de onde a mina desabou.
Essa coisa crivada,
Abaixada por negros chorosos
De uma árvore de linchamento,
Era eu…
Aquele escalpo pendente,
Pendurado no cinto de um pele-vermelha
Era meu…
E aquele corpo magro e vermelho,
Deitado no alto de uma pira funerária,
Tinha uma bala em meu coração.
Os homens vermelhos, os negros, os brancos,
Deitados lado a lado
Abaixo de cidades e vilas,
Nos leitos dos rios,
E sob as docas,
Cuja poeira ainda está misturada
Com fazendas e campos
E os grãos cultivados para alimento ou tecido,
São um só comigo.
Eu morri mil mortes
Um milhão de fortes,
Em mil lugares diferentes –
Pioneiros, em frentes de batalha,
Em greves, pelas mãos de cidadãos irmãos,
Por linchamentos e cassetetes da polícia.
Eu morri,
Construindo a América.
E assim…
Eu, o morto, construo a América.
Meus dedos sem carne
Constroem cidades americanas,
Erguem pontes e amontoam municípios.
Meus braços sem músculos
Empunham martelos e escavam metrôs.
Meus olhos sem visão
Inspecionam as planícies e mapeiam as ferrovias.
Todas as cidades, metrôs e trens
E pontes e pessoas
São meus ossos,
Cobertos de tijolo e cimentos,
Com aço, pedra e carne.
Dos espaço vazio
Entre minhas costelas abertas
Eu, conhecendo a morte
E compreendendo como é a vida,
Respiro uma canção viva
Na nação que eu construo.
Eu construo a América…
Eu, embaixo da terra,
E ressoando o ar
Trabalhando em máquinas,
Guiando motores ruidosos,
E ensinando as crianças que não nasceram
Eu sou o morto,
Construindo a América.
Epitáfio
Quando eu morrer, inscrevam na minha lápide:
Aqui jaz uma mulher, raiz fértil para flor e árvore,
Cuja carne viva, agora apodrecendo ao redor do osso,
Nada mais deseja para a imortalidade,
Que em seu coração, onde o amor esteve por tanto tempo frutífero
Cresça das ervas ou da relva uma semente,
E projete para a luz e o ar seu caminho negligente;
Que aquela que aqui jaz morta possa conhecer
Através de toda medula putrefata de seus ossos
As dores ardentes de nascer,
Ainda que ninguém saiba as dores nem ouça os gemidos
Daquela que viveu na terra de modo improdutivo.
*Poemas do livro “Você lembrará seus nomes: antologia de poetas negras nos Estados Unidos no século 20”, Editora Bazar do Tempo, 2024. Tradução de Luana Moreira