Francisco César Leal nasceu em Saboeiro, Ceará, a 20 de março de 1924.  Poeta, jornalista, professor e crítico literário, idealizou fundou o curso de pós-graduação em Letras na Universidade Federal de Pernambuco. Foi ainda membro do Conselho Diretor da Fundação Joaquim Nabuco, membro do Conselho Federal de Cultura e editor da revista Estudos Universitários. Eleito para a cadeira 23 da Academia Pernambucana de Letras, em 2007, recebeu diversos prêmios e honrarias, como os Prêmios Olavo Bilac, em 1987, e o Prêmio Machado de Assis , em 2006, ambos da Academia Brasileira de Letras (ABL). Faleceu no dia 05 de junho de 2013.

TORRE 7

A linguagem dos livros
a linguagem das flores
a linguagem das sombras
a linguagem das cores

a linguagem das lebres
a linguagem dos lobos
a linguagem das águas
a linguagem do lodo

a linguagem do barro
a linguagem da terra
a linguagem das armas
a linguagem da guerra

a linguagem da paz
a linguagem sem fim
a linguagem dos poetas
uma linguagem assim

linguagem de artes puras
não linguagem do horror
a linguagem da vida
a linguagem do amor.

TORRE 8

A voz é de pedra
a voz é de sal
a voz é de semente
a voz é do mal
a voz é mais água
a voz é mais fogo
a voz é mais luz
a voz é mais lodo
a voz é mais sangue
a voz é mais carne
a voz é mais nervo
a voz é mais fala
a voz é mais pó
a voz é mais terra
a voz é mais bronze
a voz é mais guerra
a voz é mais ave
a voz é mais pluma
a voz é mais dura
a voz é mais pura.

DESAFIO

Vem mar! Com tuas ondas,
com teu cristal de nuvens,
algas e barbatanas,
e oceânicos lumes,

com o rumor incessante
de tantas negras ondas
e os medos que no abismo
causa tua enorme sombra!

Vem com a inteira corte
de monstros e sereias
e vidas incontáveis
e o peso das areias

e as almas dos navios
– que em teus abismos dormem –
e os fortes Almirantes
que eternizaste os nomes.

Embora aqui te invoque
sempre temo tua força
e esse ruído cósmico
que sopra de tua boca.

MAJESTOSO INCÊNDIO

O eterno na altura
mira nossas vozes
e vê tantas falas
no porão enorme,

em que estão lançadas
nossas almas leves
e do sangue e os ossos
– douradas sementes.

Estamos viajando
juntos, nesta nave:
nos mares: os peixes,
nos ares: as aves.

O céu todo vê,
em seu lento ritmo
majestoso incêndio:
nas estrelas, fixo!

“O que vive morrendo”.
– O artigo mais certo
da Lei que criou
e move o Universo.

PARADOXO

A sombra da linguagem
não quero remover:
eu preciso ocultar
na linguagem meu ser.

Essa obscuridade
com a razão defendo
mas quando o Ser se oculta
que não o vejam: termo.

Por isso em trevas espessa
deposito a palavra
e assim toda a linguagem
refreia a mente e cala.

Quando busco o sentido
onde outros não o encontram
– acabo descobrindo
a sua luz redonda.

Assim fecho meus olhos
e o que não via, vejo:
são mistérios da fala
e das artes segredos!

TEORIAS II

Toda poesia pós-moderna
não é difícil de entender
sua compreensão não é de quem
a escreve, mas de quem a lê.
E seu falar é um retorno
às colunas do classicismo
e por isso há no pós-modernos
um parodiar a velhos ritmos
que por não serem ainda velhos
nem novos, em outro sentido,
os pós-modernos estão chegando
a outras formas de maneirismo…
E esse desejo de que os entendam
os levam a não mais procurar
ser pelos outros entendidos
nem a forma pura que lhes dá
a tradição que vem dos clássicos
a assim recusam a que batizem
como paródia o seu retorno
a um conceito que os tiranizem!

*Poemas do livro “Tempo e Vida na Terra”, editora Imago, 1998.