Sady Bianchin nasceu no dia 15 de março, em Amambai, Mato Grosso do Sul. Poeta, ator, diretor teatral, cineasta, jornalista, sociólogo e professor universitário. Doutor em Teatro e sociedade pela Università di Roma (La Sapienza), Mestre em Ciência da Arte, Universidade Federal Fluminense – UFF. Foi bolsista do Centro Experimental de Teatro de Pontedera-Itália, sob a direção de J. Grotowski. Integrou o CPT, sob direção de Antunes Filho. Publicou 6 livros de poesias, além de participações em importantes 18 antologias. Tem poemas publicados em 7 países. Atualmente é coordenador do Núcleo Artístico Cultural das Faculdades Integradas Hélio Alonso – NAC/FACHA, professor do Programa de Pós-Graduação em Pedagogia Social da UFF. Criou os projetos de poesia: Rio de Versos, Barca das Dez, Ponte de Versos e Fórum Poesia no Rio de Janeiro e o grupo multiarte Mymba Kuera.

PASSATEMPO

Ganhei meu tempo
costurando problemas
escrevendo versos
sou um artesão de poemas.

Ganhei meu tempo
inventando o mar na arena
na pia do banheiro do teatro
e as estrelas na boca de cena.

Ganhei meu tempo
ouvindo o barulho
na voz do vento
sendo um solista.

Ganhei meu tempo
ser ser um individualista
jogando bola, lendo livros
além das lenda, perto dos mitos.

Ganhei meu tempo
nas ruas sem medo, sem trauma
vendendo jornais na infância
com corpo e alma.

VILA ESTRELA

Na falta de luz
vela acesa na vila
é a chama que fala.

Fugindo das trevas
o fogo exala a dor
do verso numa fava.

Chamas no fundo do mundo
são almas penadas sem juízo
deixando a palavra escorregar
consumindo o tédio do paraíso.

Ando com o signo da senha
contra a maré do capital
guio minha poesia sem venda
vivo a vida no varejo fatal!

MATADOR DE SAUDADES

A minha poesia
tem o cheiro da terra
é vermelha cor de brasa
onde o bom cabrito não berra.

A minha poesia
é escrita na praça, nas ruas
sem nenhum fio de mistério
em páginas brancas e nuas
o amor plural levado a sério.

Na minha poesia
verso é trincheira
que mata a saudade
da vida sem eira nem beira.

A minha poesia
tem sangue nos olhos
não deixa rastro, nem pista
veneno escorrendo na boca
sem segredo com sede de justiça.

ESTAÇÃO DA SAUDADE

Linha de fuga por onde o vento escapa
o futuro não passa de uma ruína sem nome
na linguagem que entrecruza com o espaço
apertando a garganta das horas que me consomem.

Para entrelaçar as peles do tempo presente
abrir as dobradiças deste confim de mundo
tatuando mapas no corpo da memória
nessa travessia do cosmo feito viramundo.

Com seus passos de serpente cósmica
correndo nas margens da consciência
transitando na província fluida dos sonhos
onde se encontra a comarca da ausência.

Povoar de estrelas a noite da estação da saudade
vencendo o cansaço e manter o passo da poesia
com o toldo móvel nas costas dos dias
as pedras estremecem no balanço dos trilhos
alma imensa na vertigem da sétima sinfonia.

TROCA SIMBÓLICA

Se você me desse a tarde
nas costelas do horizonte.

Eu tranquilamente a trocaria
por um verso, uma frase.

Pra você guardei
o universo da canção.

Se faltar tempo e espaço
te dou um livro de Drummond.

ÚLTIMO PEDIDO

Eu só peço ao poeta
um esboço de dignidade
com seu canto dissonante
na voz plural da cidade.

Eu só peço ao poeta
os versos sem disfarce
apontar um futuro novo
no crepúsculo da tarde.

Eu só peço ao poeta
transformar os cata-ventos em granitos
com palavras desgarradas de sal
para furar o vento com o silêncio do grito.

Eu só peço ao poeta
que a revolução não seja fogo de palha
tendo na vida o amor em contrapartida
derrotar a barbárie no fio da navalha.

*Poemas do livro “Escombros do Tempo”, Editora Mais Palavras, 2022.