Clarissa Moreira Macedo nasceu em Salvador, Bahia, a 2 de março de 1988. Poeta, Mestra e Doutora em Literatura e Cultura, é escritora, revisora, pesquisadora e professora. Integra coletâneas, revistas, blogs e sites. Em 2014 foi vencedora do Prêmio Braskem Nacional da Academia de Letras da Bahia, e integrou, em 2018, o Circuito de Escritores pelo Arte da Palavra, promovido pelo SESC. É curadora e mediadora do Sarau Som das Sílabas, idealizado por Gabriel Póvoas. Atualmente residente em Feira de Santana, Bahia.

Rito

Sou uma tripa de pedras
que se escoam na ciclovia
das aves a morder o tempo
e seu desvão de tic-tacs

uma esfinge que choraminga
sem oráculo e sem os cactos
que não dormem;

tudo o que tive
é esta parede sem reboco
que observa, vigilante,
a goteira da sala
e se confunde com meu choro
a tomar as unhas, os canos
o cimento da massa;

quatro cantos
e os signos do calvário.

Rota

Gozar uma nova Canaã
é teu destino
tu, reinado obsoleto que não foi,
pai de filhos não gerados

marinheiro triste
de um porto imaginário
arquitetura anêmica de um só ilha.

Toma o gume com que te cortaram
marca a terra que não te deram
fulge a seta
como se tinge o couro do temporal

E na barcarola de decapitados titãs
embarca, cheio de universo,
para traçar uma nova linha
do Equador.

Mula

Aulas de desenho: sem traço, sem geometria.

Aulas de culinária: sem sal, sem gosto.

Aulas de costura: sem corte, sem acabamento.

Aulas de administração: sem orçamento.

Aula de floricultura…
De design…
De astrologia…

Inábil para tudo no mundo,
nada, nem mesmo viver,
detém o passo de fazer palavras
e sua amargura.

Mineral

As cores do meu ancestral
dizem os nomes que tive
e cortam minha alma de mistérios.

Cicatriz

No espelho de sua afetação
contempla o enigma:
marca que despedaça o espírito,
uma memória de desejos
de outros e de nadas,
cada vez mais funda
cada vez mais rápida.

Epílogo

O mundo não terminou
e os novos colonizadores
são mais cruéis dos de antes
mais girinos, mais sedentos
e criam notas no próprio jornal
sobre como roubar no calor da tarde
como jantar à custa do imposto
salve! salve!

manual na banca:
“como escravizar novos e velhos?”
(toda uma vida de desenganos
antes de acalmar os vazios e a saudade)

São ordens com nada à cara
calando à foice, à mídia, à espada
porque temem o calo do país.

*Poemas do livro “O Nome do Mapa e Outros Mitos de um Tempo Chamado Aflição”, editora Ofícios Terrestres,  2019.