Vicente Luís Mora nasceu em Córdoba, Espanha, em 1970. Poeta, escritor, ensaísta e crítico literário, recebeu diversos prêmios por suas obras literárias. Colabora em revistas como “Animal Suspeito”, “Arquipélago”, Clarín, Mercúrio ou Quimera, bem como no suplemento Cadernos do Sul, do Diário de Córdoba. Dirige a coleção de ensaios da Berenice Editorial e organiza o Mapa Poético que é celebrado anualmente em Córdoba. Está incluído em muitas antologias de poesia espanhola.

*
Olhamos

desde um ponto

cego

somos o lugar
da realidade
em que esta
deixa de ser

para ser

nós

*

eu sou o corpo
fragmentado de osíris
a carne do frankenstein
antes de se costurar
eu sou um roto
eu sou a facha de gaza
eu sou a união soviética
eu sou iugoslávia
eu iugoescravo
do desmembramento
da imersão completa
no nada
do cosmos.

*
não quero colocá-lo nome
mas algo mantém
minhas moléculas unidas
e em giro os planetas
alguns dizem que é o Caos
que rege tudo
que não há inteligência
ordenadora
mas é estranho
que o caos não se equivoque
durante 37 anos
e esta mão tenha sido minha mão
e o olho que a vê
é o mesmo olho
sem misturar-se
azaradamente
entre eles com o ar
ou com a água do mar

é muito suspeito
que nunca cantem as pedras
que nunca ardam as nuvens
que a entropia nunca
nos deixe ver uma árvore voadora
ou chuva horizontal
ou pássaros rolantes

é bastante estranho
que em todo o planeta
não tenha outro deserto como este
mas nele
todos e cada um
dos bilhões de grãos
sejam iguais
exatamente iguais
em cor e tamanho

nem um grão azul

nem um grão negro

dá um pouco para pensar
o que de fato seja o caos

tão cuidadoso

*
aqui não há nada
se digo eu no deserto
nem sequer o eco
me contesta
eu sou o nada

*
Eu gosto da poesia
porque situa um ser
no espaço

.            Respeito a filosofia
.            porque coloca um pensamento
.            no deserto da bobagem

.                 Adoro a arte
.                 porque faz do espaço
.                 um ser vivo

.                 Eu gosto de viver
.                 porque ensina
.                 a morrer
.                 com dignidade

*Poemas do livro “Tempo”, Pre-Textos, 2009.
Tradução de Igor Calazans para o Recanto do Poeta