Daniel Augusto da Cunha Faria nasceu em Paredes, Portugal, no dia 10 de abril de 1971. Poeta e teólogo, ficou conhecido por entender a linguagem poética para dialogar com as formas de expressão contemporânea. Licenciou-se em Estudos Portugueses na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Durante esse período (1994–1998) a opção monástica criava solidez. Neste período viveu na Paróquia Senhora da Conceição — Porto. Faleceu a 9 de Junho de 1999, com apenas 28 anos, vítima de uma queda.
EXPLICAÇÃO DA LUZ
O azulejo lava a sua luz
Tem o brilho
Do movimento exato
Dos seus vestidos
E o seu rosto é limpo.
Com suas próprias mãos
Sem acabar se acaricia.
A luz lava o brilho
Do azulejo. A luz o lava
No seu vestido
E o rosto é um.
Com suas próprias mãos
O quebra e inicia.
EXPLICAÇÃO DA LÂMPADA
O homem cercou-se de noite
E com a foice que trazia e ceifava
Cortou os pulsos procurando o sol
E as pupilas à procura de água
EXPLICAÇÃO DA CURA
O precipício não tem futuro ou desalento
Mas um carreiro que atravessa as giestas e o trevo
Um carreiro que chega ao seu destino
Como a lenha podada ao fogo
A madrugada aos olhos do mocho.
O desamparo não tem as mãos juntas
Mas o peito dividido
A abelha no coração do pólen
Fazendo circular o zumbido.
O coração tem uma roldana a girar
No eixo do desvio
Os olhos de criança diante do que passa.
E a canção é mão que se afadiga
A sarar do degrau e do perigo.
EXPLICAÇÃO DA DISTÂNCIA
Mesmo que o vagar me aproximasse
Do que és
E cada dia me entregasse a outro
Dia
E a encruzilhada se derramasse
Em minhas mãos
DO LIVRO DO APOCALIPSE
Onde há uma estrela há um homem noturno
Um homem hemisférico que pensa na luz.
Ele sabe que a lâmpada é o cordeiro. Sabe que a cidade
Não precisa do sol nem da lua. O homem acende na cidade
O pensamento.
O cordeiro está em pé como que degolado e o sangue
Corre da ferida viva como um braseiro. A lâmpada
Abre uma constelação no chão: o livro
Que nomeia e nutre os ressuscitados.
O homem põe a estrela na direção da vida
Um astrolábio celeste. Não precisa de sol nem da lua
Porque tem o cordeiro em pé e de frente.
Ele sabe que o cordeiro é uma pedra que está ferida
E roda-se devagar até ele próprio ser a fonte.
O homem junta as duas mãos como quem bebe
E queima-se nas mãos, na boca, nas entranhas
Como o lume muito novo da bebida.
*Poemas do livro “Poesia”, Editora Assírio & Alvim, 2023.