Gabriel Contino, mais conhecido pelo nome artístico Gabriel O Pensador, nasceu no Rio de Janeiro, a 4 de março de 1974. Músico, rapper, compositor e escritor, tem carreira literária paralela à musical, entre publicações de livros de poemas e infanto-juvenis. Inclusive, em 2005, venceu o Prêmio Jabuti na categoria de melhor livro infantil. Assim como em suas canções, a literatura de Gabriel O Pensador apresenta grande crítica social, dicotomias do cotidiano e sentimentos mais íntimos. Usa das rimas, dos jogos de palavras e de ideias, para compor os cenários, imprimindo muito ritmo e imagens aos versos.

Peixe-aquário

eu sou o peixe
que nada, eu sou o peixe
que nada, que nada…
que nada ao inverso, eu sou o peixe

que pesca o universo
que manda pelo avesso
que anda pelo mar sem endereço

que risca esse cenário
que cisca o imaginário
que tudo ou nada sem itinerário

eu sou o peixe
que nada, eu sou aquário
que nada, que é o nada, que é tudo ao contrário

peixe-aquário
fisga o sol, a lua, a luz do céu
signo das águas
na estrela desse mar de mel

que sede, eu sou o aquário
que guarda a natureza
que acorda a correnteza
que quebra e que transborda se afogando de beleza

que nada, eu sou a onda
que muda com a maré
que vaza todo o choro, o desespero
e enche a fé

que onda, eu sou a gota
que pinga na loucura
que chove e tanto bate até que fura

eu sou o oceano
atlético e atlântico
pacífico e romântico
sou peixe voador

eu sou o oceano
profundo, profano
sou índico, infinito
indicado pro amor

eu sei, eu saí, eu sou
eu sou, eu vou, eu fui
eu vim, eu sei, eu vim,
eu vi que sim,
eu vi que flui.

O poeta não morreu

Tantos temas, quanta história cabe nesse amor!
Nos poemas que você deixou

Tanto temos na memória, quanto se apagou
Dos problemas que o seu som solucionou

Já não temo a despedida, já não temos mais o bis
Mas eu teimo em ser feliz

Sua rima de repente
Se repete em nossa mente
Se reflete nessa gente
Que te canta e que me diz

Que em cima, estás presente
Bem ao lado, aqui na frente
E levita (a gente sente)
E levanta o chafariz

Que me vem do peito aos olhos
Desse jeito que me molho
Zonzo cá num canto zen
Cazuza como eu sempre quis

Entramos, meu bem, por um trem
Pra ouvir e te ver feliz

Aventura

Será que a vida dura?
Será que vai durar
Essa beleza pura
Tudo certo e no lugar?

Será que o mole dura?
Ou endurecerá
Perdendo la ternura
Quando menos se esperar?

Será que a gente é forte?
Será que a gente atura?
Jogando contra a sorte
Tudo muda de figura

Será talvez loucura
Mas talvez eu nem me importe
Pois pra tudo existe cura
E talvez até pra morte

Poema sem nome para a primeira namorada

Estava pensando em você.
Me perguntaram se eu conhecia uma famosa atriz de cinema.
Me deu um branco.
Me perguntaram se eu sabia quanto era dois mais dois.
Me deu um branco.
Me perguntaram sobre uma música triste que eu cantava numa noite há um mês atrás.
Me deu um branco.
Me perguntaram quais eram os meus problemas e as minhas aflições.
Me deu um branco.
Me perguntaram o que era a solidão e o que eu gostava de fazer quando estava sozinho.
Me deu um branco.
Me perguntaram a cor dos olhos da última garota que beijei antes de te conhecer.
Me deu um branco.
Era um branco que parecia envolver alguma coisa linda e esverdeada lá dentro da minha alma.
Era o branco do seus olhos.

Imprecisão

gosto mais de olhar pro fogo do que pros fogos de artifício
eu adoro ver o jogo mas prefiro jogar
prefiro ouvir um não real do que um talvez fictício
e adoro ver o show mas eu prefiro cantar

gosto mais de olhar pra lua do que pras luzes de plástico
eu adoro ver o filme mas prefiro filmar
prefiro um mal que vem pra bem do que um bem burocrático
e adoro ler o texto mas prefiro improvisar

eu adoro ver a chuva mas prefiro me molhar
eu adoro ver as ondas mas preciso entrar no mar
eu adoro a melodia mas prefiro te escutar
eu prefiro poesia, eu preciso te amar

Amém

Essa vida é muito boa
Mas às vezes cansa um pouco
O cansaço me atordoa
Mas por mais que eu seja louco
Não cogito o suicídio
Como possibilidade
Morrerei na minha hora
Morto com dignidade

Hoje escrevo, ainda vivo
Sobre a morte que virá.
Cedo ou tarde, sem aviso
Ela vem pra me buscar
E no dia deste encontro
Vou então pedir arrego
Me entregando sem confronto
Para os braços do sossego

Sem revolta pela ida
Meu espírito vai manso
Despedindo-se da vida
Descobrir o que é descanso
E de costas pro inferno
Diz “adeus mundo cruel”
Pra dormir o sono eterno
Em algum lugar do céu

Deixo aqui o meu recado
Pra ser lido por alguém
Com os olhos já cansados
Antes de dizer amém:
“Não me enterrem encoberto
Com a bandeira da tristeza
Pois o corpo está deserto
Mas a alma está acesa

Antes presa, hoje via
Já pagou sua fiança
Já deixou de ser pessoa
Pra voltar a ser criança
E por mais que agora doa
O momento da mudança
Ressuscitem a esperança
No silêncio que ecoa
Porque a vida às vezes cansa
Mas ainda é muito boa”.

*Poemas do livro “Diário Noturno”, Editora Objetiva