Hans Magnus Enzensberger nasceu em Kaufbeuren, na Alemanha, no dia 11 de novembro de 1929. Poeta, ensaísta, tradutor, escritor e editor, também publicou sob os pseudônimos de Andreas Thalmayr, Linda Quilt, Elisabeth Ambras e Serenus M. Brezengang. Membro do “Grupo 47”, entre 1965 e 1975, estudou literatura e filosofia nas universidades de Erlangen, Freiburg, Hamburgo e também em Sorbonne, Paris. Viveu na França, México, Estados Unidos, Itália, Noruega, Cuba, União Soviética. Hans Magnus Enzensberger morreu em 24 de novembro de 2022, aos 93 anos de idade, em Munique, Alemanha.
Visitas
As que sempre chegam tarde
As que desmarcam no último minuto
As que só vão dar uma passadinha
As que só foram convidadas porque nos convidaram antes
As que se chateiam por não terem sido convidadas
As que não foram convidadas, mas mesmo assim estão na porta
As que vêm cheias de restrições alimentares
As que vêm com plantas, bebês e são-bernardos
As vizinhas que não conseguem dormir por causa da música
As que sempre contam piadas de judeu
As que só tomam água mineral
As que já estão com os olhos fechando
As que fotografam o tempo todo
As que precisam ir fumar na varanda
As que sempre sabem quem tem o que com quem
As que insistem que isso deve ficar entre nós
As que tomaram uísque demais
As que ainda precisam dar um pulinho em outro lugar
As que ficam até todo mundo ir embora
As que são bem-vindas mesmo quando não ligam antes
As que fazem falta porque estão debaixo da terra
Interferência
Dizer esperança seria excessivo,
mas quando um duplo arco-íris resplandece
sobre as cidadezinhas devastadas,
eles baixam as lâminas
por alguns minutos
e observam como ele
diante de seus olhos sanguíneos
lentamente desaparece.
Rumo ao azul
Atrás do nevoeiro no cérebro
há ainda outros cantos
mais azuis do que você pensa.
Que pequena pareceria a história
vista de cima. Fresca e clara
sua respiração flutuaria para lá
onde seu eu nada pesa.
Ode a ninguém
Teu coração de fumaça é testemunha,
rei único, no vento
teu olho de luto.
És o companheiro do encanto,
iluminado por muitos desertos
e coroado pela desobediência.
Não és moldado pelo tempo
nem salpicada de cinzas
é tua fronte fiel.
És um espírito sem cicatriz,
teu marulho é solene,
foste antes mais perfeito
do que a grande raia flutuante,
ungindo em teu brilho,
quite com a morte, rei.
Mas não estás longe e, cedo
ou tarde, estás aqui.
Teu olhar justo cai
como uma neve de ar
e habita os estaleiros,
passa por observatórios astronômicos
até Achados e Perdidos empoeirados, jaz
em porões de cimento úmidos
que os assassinos adubam, cai
sobre tromboses e fusíveis,
estalando os lábios nos matadouros
e nas confusas refinarias
onde queima lento o gás hilariante, jaz
nas intrigas das companhias marítimas
e roça os cometas,
os carcinomas das altas finanças,
jaz sobre os muros do poder,
atrás dos quais pulsam substâncias
para a morte, e os sitia,
até que sob teu olhar estrondoso
caia o céu, mofado
por paraquedas.
Incógnito caminhas,
bela ventania, à noite,
sobre a Praça da Espanha.
Teu reino retorna a ti,
caçador oculto e cristalino.
Em tua generosidade,
inocente como um aspargo,
vais capturar e esquecer
tua imagem desenhada.
Tuas são a glória e a vingança,
rocha jamais perturbada, companheiro
do encanto, testemunha secreta
e única! Teu cabelo de vento,
teu olhar nu sopra
sobre teu velho reino futuro,
e conserva na fumaça
o que é verdadeiro, no vento.
Um par de gotas
Quanto mais você envelhece, mais rápido
evaporam aqueles que você acredita
ter conhecido melhor do que os outros,
como uma chuva de verão no asfalto,
por assim dizer.
Apenas os hábitos e as manias deles
permanecem. Na memória
não dá para confiar. Imprevisível
como o acaso é aquilo de que
você se lembra: o jeito como a amante
ou a namorada sempre
coça a orelha ou como reconhecemos
esse senhor à distância
por sua risada relinchante.
Nome, endereço ou profissão
foram há muito esquecidos.
Resta apenas
este minúsculo rastro, um resto
de passado,
que não desaparece inteiramente.
Mais nada
É só a viúva do proprietário
que tosse na escadaria.
Umas formigas se arrastam pela fresta.
Isso é só a chuva
que rufa nos tonéis do pátio.
O homenzinho verde acende
e aponta para a saída de emergência.
Escuta como geme a geladeira!
Ela está vazia como as ruas desertas.
Fora o toque de recolher
tudo está como sempre esteve.
*Poemas do livro “Destinatário Desconhecido – Antologia Poética (1957-2023)”, Editora Círculo de Fogo, 2024.
Tradução de Daniel Arelli.