Luis de Góngora y Lopes nasceu em Córdova, Espanha, a 11 de julho de 1561. Um dos mais importantes nomes da literatura castelhana de todos os tempos, chegou a ser considerado o “Homero espanhol”, pelos literatos de sua época. Foi expoente do movimento Barroco durante o denominado “Siglo de Oro” (Século de Ouro) no país, sendo precursor do “Cultismo” ou “Gongorismo”, estilo de poema que utiliza o jogo de palavras (sinônimos, antônimos, homônimos, trocadilhos, figuras de linguagem, hipérbatos). Esse movimento viveu em contraponto ao “Conceptismo” ou “Quevedismo”, idealizado por Francisco de Quevedo, estruturava a estética poética a partir do jogo das ideias. Dessas discussões supostamente surgiu uma grande rivalidade entre eles.

Com apenas 15 anos, Luis de Góngora já era bem observado como poeta. Seus dotes líricos eram louvados por muitos escritores, inclusive Miguel de Cervantes. Nesta fase, Góngora cursava estudos jurídicos e filosóficos na Universidade de Salamanca. Iniciou carreira eclesiástica com um emprego na catedral de Córdova, mas a sua vida boêmia e a mordacidade poética, causaram-lhe reprovação da igreja, sendo-lhe negada a ordenação sacerdotal. Diz-se que Góngora arruinou-se financeiramente com o seu estilo de vida, sendo amante de luxos e de divertimentos, e por ter procurado conchavos para conseguir cargos para os seus familiares.

Viajou por toda a Espanha, tendo vivido em Madrid e Valladolid, onde passou a ser visto como o grande poeta de sua geração. Com a fama, em 1605, foi-lhe finalmente concedida ordenação sacerdotal e, por influência do duque de Sandoval, e foi nomeado, em 1617, para um dos postos de capelão honorário do Rei Filipe III de Espanha.

Os poemas de Góngora são caracterizados pela extravagância, metáforas e comparações grotescas, o desequilíbrio da composição, além excesso de ornamentos, linguagem rebuscada e obscura.

Luis de Góngora faleceu em Córdova, Espanha, no dia 23 de maio de 1627.

 

ACREDITA A ESPERANÇA COM HISTÓRIAS SAGRADAS

Quantos mais ferros me forjar o fado
a esta esperança, tantos oprimido
arrastarei cantando, e seu ruído
instrumento a esta voz será ajustado.

Jovem mal pela inveja perdoado,
e tarde da corrente redimido,
por quem, não adorado, foi vendido,
por havê-lo vendido foi adorado.

Que pedra foi oposta ao soberano
poder, mesmo marcada de real selo,
que o remédio frustrasse do que espera?

Conduzido alimenta, de um cabelo,
um a outro profeta. Nunca insano
foi o esperar, mesmo entre tanta fera.

AO CONDE – DUQUE DE OLIVARES

Nesta capela estou e condenado
a passar sem remédio desta vida.
Sinto a causa inda mais do que a partida,
por fome expulso como um sitiado.

Culpa foi o ser eu tão desgraçado;
maior, de condição tão retraída.
Delas me acuso nesta despedida,
e partirei ao menos confessado.

Examine-me a sorte o ferro agudo,
que apesar de seus fios me prometo
alta piedade dessa excelsa mão.

Já que meu retraimento esteve mudo,
os números, senhor, deste soneto
não sejam línguas, lágrimas em vão.

DA BREVIDADE ENGANOSA DA VIDA

Menos solicitou rápida seta
destinado sinal, que morde aguda;
agonal carro pela arena muda
não coroou com mais silêncio meta,

que pressurosa corre, que secreta,
a seu fim nossa idade. A quem o esmiúda,
fera que seja de razão desnuda,
cada Sol repetido é um cometa.

Se Cartago o confessa, tu o ignoras?
Perigo corres, Lício, se porfias
em seguir sombras e abraçar enganos.

Não te perdoarão a ti as horas;
as horas que limando estão os dias,
os dias que roendo estão os anos.

DA AMBIÇÃO HUMANA

Mariposa, que além de não covarde
é temerária, fatalmente cega,
isso que a chama à própria Fênix nega,
quer obstinada que suas asas guarde.

Pois em seu dano arrependida tardem
pelo esplendor solicitada, chega
ao que alumia e com ambição entrega
sua mal vestida pluma àquilo que arde.

Dorme gloriosa na que docemente
fossa lhe preveniu agulha breve,
suma felicidade a erro sumo!

Não a minha ambição claro oponente,
menos ativo, sim, quanto mais leve,
em cinzas a fará, se abrasa o fumo.

A JÚPITER

Tonante mosenhor, já agora cá
fulminas jovens? Já ninguém mais crê
quanta pluma ensilhaste para o que
a servir tua taça ainda hoje está.

O rapaz frígio, a quem de belo dá
tanto a era prístina, beijara o pé
do que esplendor de Espanha foi, à fé,
e cinza pouca, mas fatal é já.

Ministro, não grifenho, duro ali
em Lípare onde Estérope o fez só,
pedra digo bezoar de outro Peru,

as folhas inflamou de um alelli,
não os Acroceráunios montes. Ó,
ó Júpiter, ó tu, mil vezes tu!

DE UM CAMINHANTE ENFERMO QUE SE ENAMOROU ONDE FOI HOSPEDADO

Extraviado, enfermo, peregrino,
em tenebrosa noite, com pé incerto
a confusão pisando do deserto,
debalde vozes deu, passos sem tino.

Repetido latir, longe e mofino,
distinto ouviu do cão sempre desperto,
e em pastoril albergue mal coberto
piedade achou, perdido o seu destino.

Sai o sol, e, entre arminhos escondida,
bela, com sono e, a mais, furor fagueiro,
salteou o mal sadio passageiro.

Pagará a hospedagem com a vida;
mais lhe valera errar de morro em morro
que morrer da maneira como eu morro.

*Poema do livro “Poemas de Góngora”, Art Editora, 1988.
Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos