Tobias Barreto de Menezes nasceu em Vila de Campos do Rio Real, Sergipe, no dia 7 de junho de 1839. Poeta, filósofo, crítico e jurista, foi um dos líderes da Escola do Recife, movimento filosófico calcado no monismo e evolucionismo europeu. Também foi o fundador do condoreirismo huguano brasileiro. Com apoio de seu conterrâneo Sílvio Romero, foi designado Patrono da cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras. Tobias Barreto faleceu em 26 de junho de 1889, no Recife, Pernambuco.
Decadência!
LXI
Nós já não temos carateres nobres,
Nem voz, nem sombra de Catões e Gracos:
O céu tem pena de nos ver tão pobres,
O mar tem raiva de nos ver tão fracos.
Por que não ergue-se o Brasil fecundo,
Por vastas ambições, por fortes brios? …
Que glória é esta de mostrar ao mundo,
Em vez de grandes homens, grandes rios? …
Bastas selvas, um céu azul imenso,
Que os corações em flor bafeja a rega;
Uma terra abrasada como incenso,
Que do sol no turíbulo fumega?
Nada vai, se não há quem se ofereça
Para d’alma arrancar-lhe o negro espinho…
Tudo em baixo! … não surge uma cabeça
Em que as altas idéias façam ninho! …
Donde é que teu primor, pátria, derivas?
Porque ao orgulho ingênua te abandonas?
Ai!… as outras nações dizem altivas:
Pitt, ou Bismarck; e nós?… o Amazonas! …
O cetro é nulo; e os ânimos languescem
Da indiferença no pesado sono…
Não vêm as horas em que as águas crescem,
E a onda morde na raiz do trono…
Que o povo fale, isto é, prenda na bôca
A escuma, a ráiva, o fel dos oceanos,
E a brasa dos vulcões! matéria pouca
Para cuspir na face dos tiranos…
Tiranos? sim, que matam o progresso,
Que sufocam a luz e o direito
Para quem tôda idéia é um excesso! …
Não há mais fogo do Brasil no peito! …
Diante de um batalhão que voltava de campanha
LX
Lavas de glória, aos terremotos d’alma,
Queimas os peitos de paixões estranhas:
É o povo que pesa os seus guerreiros,
Como os deuses pesavam as montanhas…
Homens do céu, fantásticos, enormes,
Que sondaste o golfão do heroísmo,
Inda tendes nos pés ensanguentados
Agarradas as pérolas do abismo!
Tendes na fronte um resto da fumaça
Que trazeis das batalhas, e os ressábios
Do cartucho mordido se misturam
Com o soberbo desdém dos vossos lábios.
O pendão que os relâmpagos rasgaram,
Das mãos da guerra bravamente escapo,
De que pode servir? O rei tem frio…
Dai ao rei por esmola… êste farrapo!
O Coração
CX
O coração também é um metafísico:
Estremece por fórmas invisíveis,
Anda a sonhar uns mundos encantados,
E a querer umas cousas impossíveis…
Sempre bela
XLIX
Na luta pela vida, iluminada
De uns lindos olhos ao clarão divino,
Diz o tempo à beleza: eu te devoro!
E a beleza responde: eu te domino!
O tempo curva-se ao poder mais forte.
Das belas, como vós, é esta a glória:
Onde murcha uma flôr, mil flores brotam,
E sempre assim repete-se a vitória…
Variação à Heine
L
Aonde vêm que por ti sinto-me forte,
Capaz d’expôr-me a épicos perigos,
Se nos tratamos como indiferente,
E olhamo-nos até como inimigos?
Porque, ao ver-te, descoro e tremo e calo-me?
Só porque amar é lei da humanidade?
Não sei disso; o que sei é que tens fôrça
De prolongar a minha mocidade.
Viver é ter paixão. Enquanto n’alma
Borbulhar-me sedento êste desejo,
Que me sustenta, de abraçar-te um dia,
E sugar-te da boca o mel de um beijo,
Não murcha no meu peito a flôr da vida,
Que sempre rórida a teus pés desponho…
Já vês como te adoro; e, todavia,
Não nos falamos, nem siquer em sonho!
Idéia
XLVII
Amo-te muito. Não temas
Que possa dizê-lo. Espera…
Contigo a sós eu quisera
Beijar as mãos do Senhor;
No ninho das rôlas castas,
No cálice das flores puras
Guardar as nosas ternuras,
O nosso morrer de amor.
Quisera aquecer-te n’alma,
Cândida, meiga avezinha,
Unida a meu peito, minha…
Como dizer?… minha irmã;
Contigo brincar à tarde
Na mesma sombra florida,
Respirar a mesma vida
Nos perfumes da manhã.
E à noite, quando medito,
Quando as lágrimas enxugo
No fôgo de um verso de Hugo,
Mias durável que um troféum
Pudera ver-te a meu lado
Chegar ansiosa e louca,
E dar-me na tua boca
Alguma cousa do céu.
Pudera ver-te mimosa,
Com a trança desfeita, esparsa
Movendo as roupas de garça,
Nos meus segredos bulir,
Juntando ao calor, à vida
Do livro amado que leio
O palpitar de teu seio,
E a graça de teu sorrir.
Só tu puderas, passando,
Qual um aroma aos ruídos
De harmoniosos vestidos,
Meu coração acordar,
Derramando enternecida
De amor, de cândidos zelos,
O cheiro dos teus cabelos
No fundo do meu pensar.
*Poemas do livro “Dias e Noites”, Organizações Simões, 1951.