José Luís Mendonça nasceu a 24 de novembro de 1955, em Golungo-Alto, Kwanza Norte, Angola. Jornalista, Poeta e Ficcionista, tornou-se uma das principais vozes literárias de seu país fazendo parte de uma linha literária denominada “novíssima geração”, que iniciou na década de 80. Sua obra permeia a  situação histórica angolana, centralizadora e redutora. Com forte influência simbolista, seus poemas gravitam em torno do “sentir” do sujeito poético face à morte das utopias vanguardistas e revolucionárias dos anos 60 e 70, além do seu desencanto com a realidade do presente e incertezas do futuro.

CARNAVAL

Mãos de fogo tatuam cidades
na pele do ngoma o sangue alastra
sobre o papel químico da avenida pássaros
no céu da boca do povo nidificam
o vinho das bandeiras e canções
de escravos emergem do mar
“ao nosso carnaval havemos de voltar”
ao consenso inicial do universo

EVOLUÇÃO

Homem, dinossauro sobrevivente
nos liames infalíveis da História
em ti eu estou consumado
e cada olhar que realizo
é uma voraz construção.

Porém virá o tempo
de sermos outra vez os monstros
desta era fantástica
e sobre a escrita calcinada das estradas
alguém lerá
o disforme pescoço da civilização contemporânea.

RUMOR DO MUNDO

Caí sem embargo no rumor do mundo.
À minha volta a canção se inclina terna.
Alguém me pensa como nem ouso pensar.
Como se entranham nos pulmões os grilos lá fora!
As cordas e acordes. O roer eterno das coisas.

OS POETAS NÃO VÃO PARA O CÉU

Os poetas não vão para o céu
eles já estão no céu
mortos para o plágio desta vida
como se ninguém mais soubesse

chamar as coisas pelos nomes
que sem querer os transformam
no prumo das portas ouvindo
cantigas de roda ao luar.

Os poetas não vão para o céu
eles já estão no céu
com seus olhos cegos abrindo
o novelo das palavras por dizer.

Por isso os poetas não morrem
se transformam simplesmente
no esplendor desse dia
que cresce entre as linhas da mão.

Montados no pégaso do universo
aparecem às vezes no umbral da via láctea
e a sua mão toca a dimensão do nada
para amealhar os cristais do movimento.

PÁSSARO SUBMERSO

Peça a peça ponho a funcionar
a máquina de fabricar o canto vivo
de um pássaro submerso
entre as areias movediças
do teu sexo e com esse canto acendo
o filamento quase de vidro
entre as cuecas côr de prata que hoje trazes:
és como a lâmpada quando funde:
deixas uma lágrima côr de cinza clara
sobre a branca passividade do sofá.

*Poemas do livro “Africalema”, Editora nossomos, 2011.